UNE lança comissão da verdade para apurar crimes da ditadura contra estudantes

46 diretores da entidade estão entre os mortos e desaparecidos do regime e trabalho deve auxiliar a comissão nacional que investiga os crimes cometidos por agentes do Estado

Sede da UNE foi cercada e incendiada por policiais militares em 1964. Recentemente começou a ser reconstruída (Foto: Arquivo/UNE)

São Paulo – A atividade de abertura do 14º Conselho Nacional de Entidades de Base (Coneb), da União Nacional dos Estudantes (UNE), será o lançamento da Comissão da Verdade Estudantil, com o objetivo de investigar, apurar e esclarecer os casos de morte ou desaparecimentos de estudantes e dirigentes da entidade, durante a ditadura (1964-1985). Ao menos 46 diretores da UNE, além de muitos estudantes, estão entre os mortos e desaparecidos do período. O Coneb ocorre de sexta (18) até a próxima segunda-feira (21), na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

De acordo com o presidente da UNE, Daniel Iliescu, o objetivo de formar a comissão é aprofundar as investigações sobre os militantes estudantis e contribuir para os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade. “Queremos complementar a Comissão da Verdade com os nossos trabalhos, de forma que a nossa investigação seja anexada ao trabalho dela. Teremos um ano e três meses para investigar casos de assassinato e desaparecimento envolvendo não só as lideranças estudantis, mas também estudantes anônimos, que não foram demandados em registros históricos. E com isso exigir do Estado brasileiro o reconhecimento de sua responsabilidade sobre os casos”, afirma.

Ainda segundo Iliescu, a comissão vai contar com dirigentes estudantis, familiares de vítimas e a orientação do ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos Paulo Vannuchi. Serão cerca de 12 membros escolhidos entre as organizações que compõe o movimento estudantil nacional, mais um número indefinido de familiares. A primeira reunião deve ocorrer na semana seguinte ao Carnaval.

O primeiro caso sobre o qual os estudantes devem se debruçar é o de Honestino Guimarães, eleito presidente da entidade em 1971, que desapareceu após ser detido no Centro de Informações da Marinha (Cenimar), no Rio de Janeiro, em 10 de outubro de 1973. A intenção é apresentar um relatório sobre o caso no dia 28 de março, quando Honestino completaria 66 anos. A data também lembra o assassinato do estudante Edson Luis, morto em 1968 pela polícia durante uma manifestação no restaurante Calabouço, também no Rio.

Outra página importante do regime é o congresso de Ibiúna, em 1968, quando centenas de estudantes que se dirigiram de maneira clandestina à cidade do interior paulista acabaram descobertos, e alguns deles foram detidos por policiais. Além do incêndio à sede da UNE no Rio de Janeiro, no dia 1º de abril de 1964, ainda durante o processo do golpe. A UNE era tida como um dos principais apoios do presidente João Goulart. Em 19 de maio de 2010, o Senado aprovou o reconhecimento da responsabilidade do Estado no incêndio e autorizou a indenização de R$ 46 milhões para a entidade.

Para o presidente da Comissão Nacional de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, a comissão a ser criada pela UNE reforça a participação da sociedade no processo de construção da memória e da verdade. “Essa ação vai possibilitar a ampliação da participação nos trabalhos de reconstrução da memória, atingindo inclusive as gerações mais jovens, o que atesta uma intensa participação da sociedade neste processo. Dependendo do trabalho desenvolvido, ela poderá contribuir de forma importante para os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade”, avalia Abrão.

Ele observa que a constituição de comissões paralelas poderá amparar a efetivação das recomendações do relatório final da Comissão da Verdade. “Essas comissões agregam uma virtude ao processo brasileiro. Após a entrega do relatório, em muitos países, não houve ambiente para o cumprimento das recomendações da comissão. O fato de estarmos produzindo a verdade ao largo da comissão oficial, por iniciativa da sociedade, me leva a crer que, ao final dos trabalhos, teremos uma massa crítica que exigirá o cumprimento, por exemplo, das reformas institucionais que sejam recomendadas a fim de fortalecer o regime democrático”, analisa.

O 14º Coneb terá debates sobre diversos temas, seminários e atividades culturais, além do lançamento da comissão. No evento os estudantes discutem a pauta de reivindicações de que tratarão durante o ano. A pauta desta vez é a construção de uma agenda comum de lutas e a unificação dos diferentes movimentos de juventude no país. Entre os temas em discussão, estão a reforma política, o fim da violência contra a juventude negra , a destinação dos 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação, melhores condições de trabalho e a democratização dos meios de comunicação. A programação completa pode ser acessada no site da UNE.

 

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