Governo Alckmin ignora discussão pública sobre futuro das cidades

Isso obrigou movimentos sociais a publicarem convocatória para garantir discussões; evento serve para que governos ouçam propostas da sociedade sobre desenvolvimento urbano

São Paulo, de prédios e congestionamentos, teria muito a discutir na conferência sobre cidades, mas o governo paulista não parece se animar com o tema (Foto: Marcelo Camargo. Arquivo Agência Brasil)

São Paulo – Sem qualquer apoio do governo do estado, ocorre na próxima sexta-feira (18), em São Paulo, a primeira reunião preparatória para a etapa estadual da 5ª Conferência Nacional das Cidades – discussão pública que irá debater os problemas comuns aos municípios brasileiros e propor políticas setoriais para sua resolução. 

A etapa nacional será em Brasília entre os dias 20 e 24 de novembro, com representantes da sociedade e do poder público de todos os estados do país. “As conferências são formatadas para que a sociedade traga suas propostas”, definiu à RBA uma fonte do Ministério das Cidades ligada à organização da 5ª Conferência. “É uma maneira de abrir os olhos das administrações municipais, estaduais e federal para as exigências da população.”

Normalmente, são os governos, por sua capacidade de articulação, que devem convocar as conferências, em todos os níveis: as discussões municipais costumam ser chamadas pelas prefeituras; as estaduais, pelos governos de estado; e a nacional, pelo federal. 

Contudo, em São Paulo, com a omissão do governo do estado, são as entidades da sociedade  que estão convocando a etapa estadual. Como o Palácio dos Bandeirantes perdeu o prazo – vencido em 10 de outubro – para publicar a convocatória no Diário Oficial, ONGs, sindicatos e movimentos sociais tomaram para si essa tarefa – o que ocorreu em 29 de outubro com uma nota no Diário Oficial do Poder Legislativo.

“Agora estamos num processo de diálogo com o governo, o Ministério das Cidades e as entidades para ver se a administração estadual vai assumir a realização da conferência”, explica Nelso Saule Jr., coordenador geral do Instituto Pólis. “Se não, a conferência ficará prejudicada.” 

As conferências setoriais – saúde, educação, meio ambiente etc. – ocorriam esparsamente no Brasil desde 1941, mas foram intensificadas a partir de 2003, no primeiro governo Lula. Nestes últimos 10 anos, foram realizadas 89 conferências, envolvendo 40 temas.

Atualmente, funcionam de maneira piramidal: as discussões municipais são compiladas e levadas às conferências estaduais, cujos debates são repassados à etapa nacional, que sistematiza as propostas da sociedade civil, elege prioridades e as apresenta aos governos de todo o país como subsídio para a elaboração de políticas públicas. Em cada uma das etapas são eleitos delegados para a etapa seguinte.

“Em São Paulo existem 645 municípios. É impossível que a sociedade civil, sozinha, organize uma conferência sem o governo do estado”, continua Saule Jr. “É preciso ter estrutura para dialogar com as administrações municipais.” 

O cronograma da 5º Conferência Nacional das Cidades determina que as etapas municipais deverão ocorrer entre os dias 1° de março e 1° de junho. Já as estaduais devem ser realizadas entre 1° de julho e 28 de setembro. “Participei da organização de duas conferências e ainda não tinha visto isso acontecer”, comenta a fonte do Ministério das Cidades sobre o caso paulista, ao frisar que não existe nenhuma ilegalidade na ausência governamental. “Sem o governo, a conferência fica meio com a perna quebrada.”

Temática

A temática principal da 5ª Conferência será justamente a participação da sociedade na definição de políticas públicas para o desenvolvimento urbano – que compreende as áreas de mobilidade, habitação, transporte, saneamento básico, planejamento etc. 

“A própria conferência é um dos meios de garantir a participação social, mas há outros: desde grupos que levam suas reivindicações diretamente ao poder público e conselhos de desenvolvimento urbano até audiências públicas e contato com parlamentares”, diz a representante do Ministério das Cidades. “Não é que tenha havido um déficit de participação nas políticas públicas, mas não é tanto quanto desejável. O setor do desenvolvimento urbano tem tradição de participação popular, mas pode ser mais.”

O coordenador do Instituto Pólis concorda. “Só se pode realmente pensar numa mudança de prioridades de políticas para enfrentar os problemas sociais em moradia, acesso a serviços e infraestrutura das cidades numa perspectiva democrática, para que as comunidades possam interferir nos rumos do governo”, indica. “Sem governança participativa é muito difícil pensar políticas que venham a mudar a realidade das cidades.” 

Em São Paulo, uma das demandas que certamente serão apresentadas ao governo é a criação de um Conselho Estadual das Cidades, onde representantes da sociedade serão eleitos para discutir permanentemente com o poder público a adoção de políticas de desenvolvimento urbano.

Em suas quatro edições anteriores, a Conferência das Cidades serviu para recolher as propostas da sociedade para a formulação de “planos nacionais” nas áreas de habitação social, mobilidade, saneamento básico e resíduos sólidos, por exemplo, que já viraram lei. 

Além da participação, Saule Jr. aponta outro assunto que deve determinar o rumo das discussões na 5ª Conferência: a elaboração de um sistema nacional de desenvolvimento urbano que dê conta de criar mecanismos para planejar as áreas metropolitanas e as aglomerações urbanas regionais. “Os entes federativos que mais têm responsabilidade nesta questão são os governos estaduais.”

Procurada pela RBA, a Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional do Estado de São Paulo não retornou os questionamentos da reportagem até o fechamento do texto.

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