Processo de Unaí pode demorar mais um ano para ser julgado

Previsão da subprocuradora geral da República Raquel Dodge deve-se à mudança de foro para julgar assassinato de quatro servidores do MTE na cidade mineira há exatos nove anos

Ato contra a chacina foi realizado na tarde desta segunda (28), diante do Tribunal Regional Federal (Foto: Melissa Bonon/Sinait)

Belo Horizonte – A decisão da Justiça Federal em Minas Gerais de remeter os autos para Unaí, em vez de realizar o julgamento em Belo Horizonte, pode atrasar o processo em até mais um ano, estima a subprocuradora geral da República Raquel Dodge, coordenadora da Câmara Criminal do Ministério Público Federal (MPF). Hoje (28), quando se completaram nove anos da chamada chacina de Unaí, quando quatro servidores do Ministério do Trabalho foram assassinados, havia a expectativa de, finalmente, se anunciar a data do julgamento, provavelmente a partir de 22 de fevereiro. Mas a posição da juíza Raquel Vasconcelos Alves de Lima, da 9ª Vara Federal de Belo Horizonte, que declinou da competência do julgamento e decidiu transferir todo o processo para Unaí, frustrou os representantes dos servidores e surpreendeu autoridades, inclusive o ministro do Trabalho, Brizola Neto, que também esteve na capital mineira, para participar de reunião da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).

“Essa nova decisão adia a decisão do júri em um momento importante. É um retrocesso, é algo que o Ministério Público Federal enfrentará em juízo”, afirmou a subprocuradora. “Mesmo a criação de uma nova vara federal, em Unaí, não altera o local onde o júri deve ocorrer”, acrescentou. Para ela, é importante que o julgamento seja realizado no local competente, onde foi feita a denúncia, para que posteriormente não haja alegação de nulidade do processo, seja com absolvição ou com condenação. “Estamos convictos de que esse julgamento já poderia ter acontecido há bastante tempo, aqui mesmo em Belo Horizonte, no âmbito da 9ª Vara Federal.” Com o novo cenário, Raquel Dodge estima um atraso de seis meses a um ano. “Envidaremos todos os esforços para que isso não ocorra.”

Em seu despacho de quinta-feira (24), divulgado hoje, a juíza Raquel Lima foi contra esse entendimento e decidiu – atendendo a um pedido da defesa – que o julgamento deve ser realizado no local do crime. “A competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida é do juízo do local dos fatos”, afirmou, considerando mais adequado garantir “que os réus sejam julgados por seus concidadãos”. 

“Marcar o júri para Unaí é botar a galinha na boca da raposa”, comparou o deputado federal Domingos Dutra (PT-MA), presidente da Comissão de Direitos Humanos e de Minorias da Câmara. “Qualquer brasileiro de bom senso sabe que Unaí não tem condição de fazer julgamento com a isenção devida”, acrescentou. Na região onde ocorreu “essa chacina bárbara”, prosseguiu a subprocuradora, será muito difícil encontrar pessoas com isenção suficiente que possam fazer parte do júri.

Ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos, o deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG) foi mais direto na crítica à juíza da 9ª Vara. “É inadmissível. Ela vai entrar para a história por não ter coragem de cumprir o seu papel. Fico pensando se essa juíza não lê jornais, não ouve o noticiário. É uma imprudência devolver para Unaí. Remeter o julgamento para lá, nesse caso, é pugnar pela impunidade.”

Acusado de mandante, o ex-prefeito de Unaí Antèrio Mânica declarou em entrevista publicada na edição desta segunda-feira do jornal mineiro Hoje em Dia que preferia ser julgado em sua cidade. “Aqui em Unaí o povo me conhece. Em BH, eles conhecem as mentiras sobre a minha pessoa”, declarou. Mânica foi prefeito por dois mandatos, pelo PSDB, e até então tinha foro privilegiado por causa de seu mandato. Ele admitiu que pode ser candidato a deputado – se eleito, recuperaria essa condição.

“Nós conhecemos Unaí. É uma cidade dominada pelo poder econômico e político dos Mânica”, disse a presidenta do Sinait (sindicato nacional dos fiscais do Trabalho), Rosângela Rassy, se referindo a Antério e seu irmão Norberto, também fazendeiro. “Como podemos imaginar um júri popular com pessoas que são subordinadas a esse poder?”, questionou. “Não vamos abrir mão do direito de acreditar na Justiça do nosso país. Mas estamos mais do que nunca alertas. Os fiscais continuam sendo ameaçados e as pessoas que ameaçam se vangloriam disso. Nós não vamos deixar esse caso ser esquecido.” Ela receia um atraso ainda maior, de pelo menos dois anos.

Delegado regional do Trabalho (hoje, as DRTs chamam-se superintendências) na época da chacina, o atual superintendente do Incra em Minas Gerais, Carlos Calazans, vê duas “infâmias” no caso. A primeira foi a Assembleia Legislativa mineira ter condecorado o próprio Antério Mânica com a medalha do mérito legislativo. A segunda ocorreu, segundo ele, com a decisão da juíza Raquel Lima. Fato que se tornou mais grave, disse Calazans, por ter ocorrido às vésperas do nono aniversário da morte dos servidores – e quando havia a expectativa de o julgamento ser enfim marcado. “Foi uma bofetada na nossa cara”, afirmou. “Fizemos de tudo e não conseguimos levar nenhum dos criminosos a julgamento.”

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