Governo e sociedade pedem agilidade na apuração da morte de líder do MST

Polícia trabalha com a tese da execução e já tem um suspeito, que teria arrendado terras próximas ao assentamento e ameaçado outros trabalhadores sem-terra

Líder do MST em Campos (RJ), Cícero Guedes foi morto no último sábado (26) com dez tiros que acertaram as costas e a cabeça (Foto: MST)

Rio de Janeiro – Agilidade para chegar aos assassinos de Cícero Guedes dos Santos, um dos principais líderes do MST no Rio de Janeiro. Essa cobrança, extensiva a executores e mandantes, é feita por diversas instituições do governo federal e da sociedade civil aos responsáveis pela investigação do homicídio, ocorrido sábado (26) no município de Campos, no Norte Fluminense.

À frente de lutas sociais como o combate à monocultura da cana-de-açúcar na região e a resistência ao projeto de um novo traçado para a BR-101 que prevê a remoção de diversos pequenos produtores locais, Cícero, que tinha 47 anos, foi alvejado com dez tiros nas costas e na cabeça quando retornava de uma reunião na Usina Cambahyba. O local é alvo há 14 anos de um processo de desapropriação movido pelo Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (Incra), sempre emperrado por decisões judiciais, e recentemente foi ocupado pelo MST.

“Esse inquérito será acompanhado de perto”, resume Wadih Damous, ex-presidente da seção fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) e pessoa inicialmente designada pela ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos (SDH), para acompanhar em nome do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana o desenrolar das investigações sobre a morte de Cícero: “Eu disse à ministra que a OAB está à disposição para também acompanhar as investigações”.

A motivação do crime, segundo Damous, é evidente: “É, sem sombra de dúvida, um crime ligado à disputa de terra. Isso aí foi um crime encomendado, uma execução. O Cícero é mais um morto em conflito fundiário no Brasil ao longo dos séculos. Estamos em pleno Século XXI, com a democracia reconquistada no Brasil. Mas, a democracia ainda não chegou ao campo. Esperamos que, pelo menos nesse caso, apareçam os assassinos e os mandantes”, diz.

Além da SDH e da OAB, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro também está acompanhando as investigações. Presidente da comissão, o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) foi ao velório de Cícero e pediu agilidade nas investigações: “Foi execução. Todos os pertences da vítima foram deixados no local”, disse o deputado, que também aposta na disputa de terras como o motivo do crime: “A região de Campos tem muitos conflitos, pois tem grande quantidade de terra. Tudo leva a crer que tenha sido crime político”.

Ouvidor

O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) enviou a Campos o ouvidor Marcelo Nicolau para acompanhar as investigações in loco e garantir que novas lideranças sem-terra não sejam ameaçadas: “Algumas pessoas disseram que o Cícero vinha recebendo ameaças constantemente, até porque, nesta luta, infelizmente as ameaças são rotina. Nossa luta é garantir a segurança dessas pessoas que estão reivindicando nada mais do que lhes é de direito”, diz.

Até mesmo a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), onde Cícero participava de um projeto de extensão que era aplicado no assentamento Zumbi I, do qual era o líder, se manifestou pedindo justiça e rigor nas investigações. Uma nota publicada no site da Uenf na internet revela que “Cícero sempre fez questão de resistir à tendência da monocultura da cana ou da criação de gado, diversificando sua produção com o cultivo de coco, abóbora e banana, por exemplo”.

Suspeito

Responsável por conduzir as investigações, o delegado Geraldo Assed, da 134ª DP (Campos), afirmou hoje (29) a jornalistas que as investigações confirmam a hipótese de execução: “A vítima estava com dinheiro no bolso, mas não foi levado nada. E há essa questão de ameaças ligadas à terra. A gente está nessa linha (execução), sem descartar outras, mas essa seria a principal”, disse.

A polícia já tem até mesmo um suspeito, que seria um homem conhecido de Cícero e que teria arrendado terras próximas ao assentamento. O delegado Assed pediu a quebra do sigilo telefônico da vítima, que recebeu uma ligação meia hora antes do horário estipulado para sua morte: “Em breve ele vai ser intimado. Estamos procurando outras testemunhas, mas vamos ouvi-lo o mais rápido possível, porque realmente há um histórico de ameaças feitas por ele a integrantes do MST”, disse.

O delegado já ouviu cerca de dez pessoas, e pretende concluir a primeira fase dos inquéritos até sexta-feira (1º). Ele reclama das dificuldades: “Ninguém fala nada, ninguém nem se dispõe a ajudar. A gente esbarra no medo dos militantes que não se dispõem a colaborar. A gente até entende, mas se não houver colaboração das testemunhas, fica muito difícil a elucidação desse crime”, diz.

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