Alckmin impede limite a propaganda de alimento não saudável na TV

Projeto que tentava proteger consumidor infantil, aprovado na Assembleia Legislativa, foi vetado pelo governador, que teria cedido ao lobby da indústria

Indústria de alimentos não saudáveis continuará podendo usar personagens e celebridades do mundo infantil nas propagandas (Foto: stock.xchng)

São Paulo – O governador Geraldo Alckmin (PSDB) vetou na noite de ontem (29) o Projeto de Lei 193/2008, do deputado estadual Rui Falcão (PT), que proibia a veiculação na TV e no rádio, entre 6h e 21h, de publicidade dirigida a crianças sobre alimentos e bebidas pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio. O projeto, aprovado em dezembro na Assembleia Legislativa, impedia a utilização de personagens e celebridades infantis na propaganda e brindes associados à compra.

Segundo o governo paulista, o texto foi vetado “por ser inconstitucional”. A justificativa é de que o artigo 22 da Constituição Federal, em seu inciso XXIX, determina ser de competência da União legislar sobre propaganda comercial. Os Estados, portanto, estariam impedidos de atuar nessa área.

Mas advogados e entidades ligadas à defesa dos direitos do consumidor discordam. De acordo com eles, a Lei 8.078/1990, que é federal, já permitiria a regulação do tema. 

“Existem muitas teses jurídicas. Nesse caso, o governo optou por essa visão, que aponta para a inconstitucionalidade. Mas temos outra tese. Achamos que, a partir do Código de Defesa do Consumidor, uma lei federal, que já veda publicidade enganosa, especificamente dirigida a crianças, outras leis infrafederais poderiam ser aplicadas”, diz Mariana Ferraz, advogada do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).

O Código determina expressamente, em seu artigo 37, que “é proibida toda publicidade enganosa ou abusiva” e, no parágrafo 2°, especifica: “É abusiva, dentre outras, a publicidade que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança”, e também que “seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde”.

Mariana Ferraz diz que, em meados de janeiro, o Idec fez um pedido de audiência ao governador para mostrar a ele alguns dados considerados relevantes, no sentido de convencê-lo a sancionar a proposta. “Nossa intenção era subsidiar uma possível sanção, mas não houve resposta ao pedido feito pelo Idec, pelo instituto Alana e outras entidades que também se manifestaram”. 

A advogada diz que o instituto Alana propôs um abaixo-assinado que teve mais de 14 mil adesões pedindo a sanção a Alckmin. Segundo ela, diversas entidades de repercussão internacional se manifestaram, como a Organização Panamericana de Saúde. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, órgão consultivo da Presidência da República, também recomendou a sanção.

Lobbies poderosos

Segundo a advogada do Idec, qualquer iniciativa de se regulamentar a publicidade prejudicial esbarra nos lobbies dos setores da indústria e da propaganda. “Existem outras iniciativas em âmbito federal que estão sendo debatidas”, diz. “Mas há uma estrutura muito grande por parte da indústria e do setor publicitário para impedir a aprovação de regras nesse sentido, que se valem do fato de a criança não ter a maturidade para perceber o intuito mercadológico.”

Ela cita a Resolução 24 da Anvisa como exemplo de situação em que o lobby industrial-publicitário acaba se saindo vencedor. A resolução dispunha que todo anúncio de alimentos com altos teores de gordura, sal e açúcar deveria vir acompanhado de mensagens de alerta ao público, deixando-o ciente de que o consumo exagerado desses produtos poderia acarretar problemas de saúde. 

“Houve um verdadeiro bombardeio no Judiciário e, infelizmente, por conta de liminares na Justiça, essa resolução está com a eficácia suspensa”, conta Mariana Ferraz. “O teor da resolução teve grande participação da sociedade civil, foi colocada em consulta pública, foi discutida por anos. A gente vê tudo isso como um retrocesso a um movimento democrático, que ouviu sociedades médicas, de defesa do consumidor, de proteção à criança.”