Pronto para ser votado, projeto que põe fim a rotulagem de transgênicos recebe críticas

Entidade de defesa do consumidor e especialista veem riscos à saúde; órgão de promoção da modificação genética considera que sistema atual é discriminatório

A soja é atualmente o principal cultivo transgênico, e chega à mesa dos brasileiros em vários alimentos (Foto: Silvio Avila/Folhapress)

São Paulo – Pronto para a votação final no plenário da Câmara, o projeto de lei que propõe extinguir a rotulagem específica de produtos com ingredientes transgênicos é criticado por conta dos riscos que pode significar à saúde. O PL 4148, de 2008, de autoria do deputado federal Luis Carlos Heinze (PP-RS), teve requerimento de urgência aprovado em novembro e pode entrar na pauta de votação desta última semana do ano no Legislativo.

Na visão do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a proposta, se aprovada, significa a impossibilidade de rastrear problemas de saúde que afetem a população a longo prazo. O advogado do Idec Flavio Siqueira afirma que o projeto é desfavorável à sociedade por interferir no direito à informação dos consumidores. “Retirar a rotulagem específica afeta a livre escolha do consumidor, sobretudo por não se conhecerem todas as implicações possíveis para a saúde das pessoas no longo prazo. Então, se a pessoa quiser escolher entre usar ou não um produto transgênico, terá seu poder de decisão limitado, pois o produto pode conter elementos transgênicos em sua formulação e não informar”, explica Siqueira.

O projeto determina que só sejam identificados os produtos que tiverem acima de 1% de ingredientes de origem transgênica em sua composição final, e elimina o triângulo com a letra T na cor preta dentro de um triângulo amarelo, hoje obrigatório. Além disso, o deputado ruralista propõe a alteração da Lei 11.105, de 2005, para criar um novo critério para a detecção de organismos geneticamente modificados (OGMs), deixando de rastrear toda a cadeia produtiva em busca da composição correta de cada produto.

“Algumas organizações, sob o pretexto de informar o consumidor, pretendem que o rótulo do alimento funcione como ferramenta de contra propaganda, intuito com o qual a legislação em vigor tem ido de encontro, ao estabelecer frases e símbolo, sem conteúdo esclarecedor, ora inúteis, ora desinformantes”, justifica o projeto. 

Se aprovada, porém, a proposta tem espaço para ser contestada no Judiciário. Em agosto deste ano, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) reiterou que a rotulagem com o T em um triângulo amarelo é obrigatória porque há muitas divergências, nos meios científicos, sobre os riscos que transgênicos podem trazer à saúde. Com isso, deve-se promover com maior determinação o direito à informação.

Para o diretor jurídico da Associação Nacional de Biossegurança, Reginaldo Minaré, a questão da rotulagem específica para o transgênico remete a discriminação. “Rotulagem não se confunde com biossegurança. O símbolo que vai no rótulo remete a um sinal de perigo, mas a comissão responsável já disse que é seguro e isso prejudica a imagem do produto. Não somos contrários a especificar que o produto é transgênico, mas isso pode ser descrito textualmente”, defende Minaré.

O professor do Programa de Pós-Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Rural da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), José Maria Gusman Ferraz, discorda. “A proposta elimina a possibilidade de rastrear a origem dos produtos para, em caso de risco à saúde pública, conseguir se saber que a causa foi um transgênico”, diz Ferraz, que representa a especialidade de meio ambiente na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), subordinada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação e responsável pela liberação de novas variedades de OGMs. “Hoje temos produtos que têm em sua base diversos produtos de origem transgênica, temos plantas com diversas modificações e animais alimentados com ração geneticamente modificada. Não há estudos que comprovem que isso não apresenta risco para a saúde da população no longo prazo, independente de a quantidade ser inferior ou superior a 1% do produto.” 

Na justificativa do projeto, o deputado argumenta que a rastreabilidade é muito inconveniente do ponto de vista econômico e operacional, resultando em custos elevados que fazem os produtos nacionais perderem competitividade. O texto indica que o processo é frágil por se pautar em procedimentos de difícil fiscalização, como certificações, além de ser impraticável quanto a produtos de origem estrangeira. 

Para Ferraz, toda essa movimentação se deve a uma preocupação em tornar impossível a determinação de causa e efeito entre os transgênicos. “O que se quer é flexibilizar o monitoramento, de forma a não se estabelecer relação entre transgênicos e possíveis problemas de saúde. Os orgânicos são rotulados e os produtores preferem assim, pois permite identificar com clareza o tipo de produto. Qual é a preocupação em se rotular os transgênicos com clareza, se eles são tão seguros quanto se diz?”, questiona o professor.

O advogado do Idec acrescenta que toda a regulamentação da rotulagem foi aprovada em portaria do Ministério da Justiça. “O símbolo universal utilizado não só é legal, como foi pensado para que qualquer pessoa possa entendê-lo, inclusive os analfabetos. Qualquer quantidade de ingredientes transgênicos deve ser informada de forma clara e ostensiva, como foi determinado pelo Tribunal Regional Federal, pois essa é uma medida, inclusive, preventiva na defesa dos consumidores”, conclui Siqueira.

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