Parlamentares querem solução para o conflito dos Guarani-Kaiowá, no MS

Diante da carta que fala em 'morte coletiva', Comissão de Direitos Humanos pede intervenção do governo federal

Guarani-Kaiowá coloca cruzes, simbolizando 503 mortes de 2003 a 2011, em protesto no último dia 19 em frente ao Congresso (Wilson Dias/ABr)

São Paulo – Diante da decisão da comunidade Guarani-Kaiowá, composta por 170 índios, de morrer coletivamente caso ocorra a reintegração de posse das terras onde vivem, na região de Dourados (MS), decretada pelo Tribunal Regional da 3ª Região no dia 29 do mês passado, parlamentares da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados prometem visitar a aldeia “Passo Piraju” e articular uma solução para o conflito. A decisão dos indígenas foi anunciada em carta enviada ao governo e à Justiça Federal. A reintegração ainda não tem data marcada. 

O anúncio de morte coletiva da comunidade é algo que precisa ser ouvido pelo poder público, segundo a deputada Erika Kokay (PT), vice-presidente da comissão. “Precisamos mudar a perspectiva de ‘mudez’. Tudo isso que está acontecendo, o grito que está sendo arrancado desta comunidade deve ser escutado”, disse em entrevista à Rádio Brasil Atual. Para ela, a carta assinada pelos indígenas é a derradeira tentativa de serem ouvidos. “O autoextermínio anunciado é um último grito da comunidade, que quer apenas preservar sua condição de indígena.”

A deputada afirmou ainda que o problema do conflito de terras deve receber mais atenção por parte do governo. “Queremos formar um grupo de trabalho que possa resolver de forma definitiva a problemática da questão fundiária e que impeça, neste caso, a reintegração de posse das terras dos Kaiowá.”

A Comissão de Direitos Humanos visitou a aldeia no final do ano passado. Erika relatou que na primeira visita foram observados indícios de maus-tratos sofridos pelos indígenas, praticados pelos fazendeiros da região. “Ouvimos depoimentos apontando que os inseticidas derramados nas plantações também são derramados sobre as crianças e mulheres indígenas, e também são jogados na água utilizada pela comunidade, além dos altos índices de assassinatos na região”, diz.

Para a deputada, esses acontecimentos apontam um forte enfrentamento ao estado democrático de direito. “Isso indica que a nossa democracia ainda está em construção.” O extermínio de indígenas e a identidade dos autores dos crimes, segundo ela, são conhecidos pela comunidade. Apesar disso, ainda não houve nenhum tipo de punição. “Todas as mortes de lideranças indígenas foram anunciadas. Os caciques e pajés foram ameaçados e depois assassinados. Até agora nenhum dos acusados pelas mortes foi responsabilizado”, diz.

É urgente a intervenção no local e a suspensão da ordem de reintegração de posse, segundo a deputada. “O Estado não pode simplesmente deixar que aconteça a reintegração e ignorar a dor da população Guarani-Kaiowá. Seria um atestado claro de que nós, brasileiros, estamos rasgando a nossa constituição.”

Durante a ditadura militar (1964-1985), um movimento de colonização de terras se intensificou no Mato Grosso do Sul. Grande parte de territórios indígenas foi ocupada por fazendeiros. Após a redemocratização do país, a Constituição de 1988 estabeleceu que estas terras deveriam ser identificadas e demarcadas. O processo de demarcação de terras enfrenta, até hoje, resistência por parte de grandes proprietários de terras da região. Erika explica que o processo de colonização expulsou os indígenas de suas terras e resultou em um verdadeiro etnocídio, o genocídio da cultural da população indígena. Os efeitos deste processo, segundo ela, podem ser observados até hoje. “Estes indígenas passaram a conviver com prostituição, uso de drogas e suicídios.”

Nova interpretação

O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) divulgou ontem (24) uma nota afirmando que na carta assinada pelos Guarani-Kaiowá “não há menção alguma sobre suposto suicídio coletivo, tão difundido e comentado pela imprensa e nas redes sociais”. A nota afirma que morte coletiva – como está colocado no texto – é diferente de suicídio coletivo e que, o contexto da carta diz que os índios resistirão até a morte se forem obrigados a deixar suas terras. “Vivos não sairão do chão dos antepassados. Não se trata de suicídio coletivo!”, diz a nota. 

Ouça aqui a reportagem de Marilu Cabañas

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