Justiça suspende expulsão de guarani-kaiowá de fazenda ocupada em MS

Desembargadora limita permanência de indígenas a um hectare da propriedade Cambará e cobra da Funai rapidez na demarcação de reserva para comunidade, que ameaça suicídio coletivo

São Paulo – A Justiça Federal em Mato Grosso do Sul suspendeu hoje (30) decisão liminar que determinava a expulsão de indígenas guarani-kaiowá da Fazenda Cambará, na cidade de Iguatemi, no Mato Grosso do Sul. A decisão da desembargadora Cecília Mello atende a pedido da União e suspende ainda a multa de R$ 500 ao dia fixada pela 1ª Vara Federal de Naviraí.

A magistrada, porém, limita a ocupação indígena na fazenda Cambará a apenas um de 760 hectares totais da propriedade, ou seja, o equivalente a 10 mil metros quadrados, e apenas até que seja feita pela Fundação Nacional do Índio (Funai) a demarcação de uma reserva para a comunidade Pyelito Kue. Na última semana, os 170 guarani-kayowá ameaçaram cometer suicídio coletivo caso fosse levada adiante a decisão de reintegração de posse solicitada pelo fazendeiro Osmar Luiz Bonamigo, ameaça que, segundo a Funai, não é real, e decorre de uma interpretação equivocada das declarações dos líderes da comunidade.

Na sentença, a desembargadora lamenta ter de definir sobre um conflito que teria de ser balizado pelo Poder Executivo, sem que o Judiciário tivesse de se imiscuir na questão. Cecília Mello adverte que os dramas dos indígenas e do proprietário que pode ter sido enganado ao comprar as terras entram em choque, e nenhum é maior que o outro. Com isso, diz, sua sentença teve de tentar equilibrar os dois lados, o que levou a limitar a área na qual os guarani-kaiowá poderão circular.

“O que se apresenta é um conflito de relevância social indiscutível e não um embate sobre meros interesses contrapostos, não sendo competência do Poder Judiciário substituir o Estado para prover as necessidades de um segmento da população que não foi atendido pela falta de implantação de políticas públicas específicas”, argumenta. “A inércia do poder público e a morosidade do procedimento administrativo contribuem para provocar tensões e conflitos entre índios e fazendeiros, restando ao Poder Judiciário responder ao embate apresentado.”

Reuniões

Uma comissão que representa a comunidade está hoje em Brasília para uma série de reuniões. O tema está sendo debatido pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), presidido pela ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, e pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. O debate é acompanhado também pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, titular do órgão responsável pelo recurso apresentado à Justiça Federal.

No começo da noite, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara recebe os indígenas para um debate sobre o tema. A deputada Erika Kokay (PT-DF) solicitou que se realize uma viagem à região para acompanhar a situação dos afetados pela decisão judicial e monitorar o processo de demarcação de terras.

Na última semana, a Funai informou que trabalhava para reverter a decisão e “que está acompanhando a situação e presta atendimento e assistência jurídica à comunidade Guarani e Kaiowá acampada na área”. A Secretaria Geral da Presidência acrescentou que os indígenas daquela região estão inseridos em um programa de monitoramento da Força Nacional de Segurança para evitar atos de violência contra eles. “A questão dos Guarani Kaiowá é prioritária para o governo federal que vem apoiando as comunidades através de ações de segurança alimentar, saúde, segurança pública e reconhecimento territorial através de seis Grupos de Trabalho que estão em campo”, acrescentou o governo.

Já o governador de Mato Grosso do Sul, André Pucinelli, criticou hoje, durante visita ao Senado, a atuação da Funai. “A Funai é um órgão que seu fosse presidente da República já o teria extinto pela ineficiência, pela incompetência. Quem sustenta os índios no Mato Grosso do Sul, quem lhes dá cestas de 27 kg de gêneros alimentícios a cada 45 dias, é o governo do estado com seus próprios recursos. A Funai não faz porcaria nenhuma.”

Segundo telegrama de maio de 2009 revelado hoje pela Agência Pública, o governador fez pouco caso da situação dos indígenas durante visita do cônsul-geral dos Estados Unidos em São Paulo ao Mato Grosso do Sul. Thomas White percorreu o estado durante quatro dias, e relatou o desdém com que Pucinelli tratou a questão. “O governador Puccinelli zombou da ideia de que a terra, num estado como o Mato Grosso do Sul, cuja principal atividade econômica é a agricultura, poderia seja retirada das mãos dos produtores que cultivam a terra há décadas para devolvê-la aos grupos indígenas”, lê-se.