Livro de ex-ministro de Allende provoca debate sobre Comissão da Verdade

Abertura de investigações sobre a Operação Condor é bem recebida, mas sobram críticas ao 'atraso' na instalação da CNV

Rio de Janeiro – A presença ontem (26) no Rio de Janeiro de Pedro Hidalgo, ministro da Agricultura do Chile no governo de Salvador Allende, para o lançamento de seu livro Do fogo à luz – Encontro com a tortura se transformou em um amplo debate sobre os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV) no Brasil. O anúncio da abertura de investigações sobre a Operação Condor foi bem recebido pelas pessoas que encheram o auditório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Centro do Rio, mas as críticas ao “atraso” na instalação da CNV foram muitas.

“Investigar a Operação Condor é um passo muito importante que está sendo dado pelo Brasil. O Brasil estava atrasado, muito atrasado, em relação a essa decisão política de iniciar o processo para julgar os militares. Nós fizemos isso no Chile há 15 anos, e nossos militares estão presos hoje, alguns com penas de 150 anos, como é o caso do general Manuel Contreras, chefe da DINA, o serviço secreto de Augusto Pinochet”, disse Hidalgo. Para o chileno, no entanto, ainda é tempo de o Brasil desenvolver seu processo de justiça de transição: “A justiça tarda, mas sempre chega. Alguns são contra, mas posso dizer que muita gente no Brasil vai ficar feliz quando aparecer a verdade e for feita a justiça”.

Presidenta do grupo Tortura Nunca Mais, organização que completou 27 anos em setembro, Victória Grabois também disse apoiar a decisão de se investigar a Operação Condor no Brasil, mas externou sua insatisfação com os rumos do processo de busca por memória e justiça no país: “Parece que a CNV foi um presente do governo, mas essa luta começou ainda na ditadura, com as mães dos presos políticos que criaram os comitês pela anistia em todo o Brasil. Temos que continuar até identificarmos todos os brasileiros que deram a vida pela democracia. Os governos civis que sucederam os governos militares têm uma grande dívida com os familiares dos mortos e desaparecidos, com os ex-presos políticos e, principalmente, com a sociedade brasileira”.

Victória afirmou “sentir inveja” de outros países: “Desde que Pinochet foi alijado do poder e as forças democráticas chilenas deram início à redemocratização do país, eu sinto inveja do Chile, assim como sinto da Argentina, do Uruguai e de muitos países da América Central que adotaram a política da justiça de transição. A ditadura no Brasil foi a primeira a ser instalada no continente, em 1964, e somente agora, a dois anos de o Golpe Militar completar 50 anos, é que os governos ditos democráticos deste país resolveram iniciar essa justiça de transição, quando a maioria dos grandes torturadores já morreram, quando a maioria dos pais e mães dos mortos e desaparecidos políticos já morreram”, lamentou.

Ex-preso político no Brasil e exilado no Chile, o diretor de Comunicação da OAB-RJ, Cid Benjamin, defendeu o aprofundamento das investigações: “Muita gente se pergunta qual é o sentido de reabrir esse tipo de coisa. Alguns, até de boa fé, dizem que não vale à pena mexer no passado, pois muito tempo passou e isso só traria sofrimento às pessoas. Eu aceitaria de bom grado essa solução se fosse o melhor para a democracia, mas não é. Se a gente não falar disso, não souber o que foi isso, se a sociedade não tomar conhecimento sobre o que aconteceu durante a ditadura, a sociedade brasileira não estará criando anticorpos para que isso não se repita”, disse.

OAB analisa Justiça Militar

Após afirmar que a CNV no Brasil foi criada “com muito atraso, com enorme atraso”, e que no país “não existe ditadura há um bom tempo, mas muita coisa ainda está para ser dita, aberta e divulgada”, Benjamin anunciou que a OAB-RJ criou também sua comissão da verdade, com o intuito de subsidiar os trabalhos da CNV: “Estamos trabalhando na recuperação do papel da Justiça Militar no sistema de repressão da ditadura. Temos descoberto coisas muito interessantes e estamos fazendo gravações e depoimentos em vídeo que estão sendo encaminhados à CNV e podem ser vistos no site da OAB-RJ na internet”, disse.

Presidente do Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro (Senge), entidade responsável pela edição do livro de Pedro Hidalgo no Brasil, Olimpio Alves dos Santos disse que a luta contra a tortura deve ser permanente: “A tortura deve ser um crime imprescritível e todas as pessoas que a realizaram devem ser punidas. Não podemos esquecer essa chaga e deixar que essa impunidade continue, até mesmo porque a tortura até hoje é aplicada, seja no Brasil ou na Base de Guantánamo”.

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