Comissão Nacional da Verdade contará com a contribuição dos psicólogos

Profissão que já foi considerada artigo supérfluo para 'madame desocupada', a psicologia é hoje uma parceira de peso nos movimentos em defesa dos direitos humanos

Paulo Vannuchi (ao centro) pediu que os psicólogos enviem relatos que sirvam à apuração sobre as violações cometidas pelos agentes da repressão (Foto: Roberto Parizotti)

São Paulo – Da mesma maneira que a psicologia ajuda a pessoa a conhecer a si própria e assim mudar seu comportamento diante da realidade, reduzindo angústia e sofrimento, a Comissão Nacional da Verdade permite que a nação examine a si mesma para entender o que significou a ditadura (1964-85) e para que o episódio nunca mais se repita. Foi com essa comparação que Paulo Vanucchi, ex-ministro de da Secretaria de Direitos Humanos e colunista da Rádio Brasil Atual, encerrou sua participação no debate sobre os direitos humanos na psicologia brasileira, realizado ontem (21), durante a 2ª Mostra Nacional de Práticas em Psicologia.

Vanucchi agradeceu ao Conselho Federal de Psicologia pela parceria de seus profissionais nos últimos anos, quando a categoria passou a militar em defesa dos interesses sociais e, principalmente, pela colaboração na Comissão da Verdade. “Tanto a psicologia brasileira consolidou seu papel na defesa dos direitos humanos que a presidenta Dilma Rousseff chamou para a Comissão a psicóloga Maria Rita Kehl”, lembrou o ex-ministro, que conclamou os psicólogos a colaborarem com com textos sobre a ditadura a partir de relato daqueles que foram presos, torturados, exilados.

Guerrilha do Araguaia

A psicóloga paraense Jureuda Guerra, do serviço de psicologia da Santa Casa de Belém, destacou a importância desses especialistas na compreensão e no enfrentamento do sofrimento psíquico causado em diversas gerações a partir de conflitos e violências, como a Guerrilha do Araguaia, no começo da década de 1970, entre outros. “Precisamos conhecer nossa história e como ela marcou o comportamento do nosso povo. Muitos colegas desconhecem esses fatos e assim não têm como atuar de maneira mais adequada”, afirmou.

Jureuda acompanha também mulheres ribeirinhas vítimas de acidentes com barcos, nos quais têm o couro cabeludo arrancado quando os cabelos enroscam no eixo descoberto dos motores das pequenas embarcações. Um trauma enorme causado pelo descaso e negligência na manutenção dessas embarcações e do poder público que não fiscaliza.

Médici

Marcus Vinicius de Oliveira, professor de Psicologia da Universidade Federal da Bahia, falou sobre a trajetória desses profissionais nos últimos 50 anos. Segundo ele, no início a formação era marcada por um currículo conservador, desenhado sob medida pela ditadura, que separava a profissão da ciência e da política e que formava profissionais com postura liberal. “A psicologia era vista como um produto supérfluo, para madames desocupadas, que escolhiam os terapeutas conforme a linha que eles praticavam. Hoje, quando nossos colegas atuam nos CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e nos CAPs ( Centro de Atendimento Psicossocial), a clientela não se preocupa com a linha seguida pelo profissional”, afirmou o professor, crítico do atual currículo das faculdades de psicologia, estruturado no ensino das correntes da psicanálise – a psicologia é muito mais que isso.

O psicólogo, que foi sindicalista cassado pela ditadura e anistiado pelo “país que reconheceu que não tinha o direito de bisbilhotá-lo”, conclamou a categoria a se unir para apurar e explicar, entre outras coisas, as razões de o ex-presidente autoritário Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) ter sido agraciado com o título de Psicólogo Honoris Causa pelo Conselho Federal de Psicologia, e as maneiras como a ditadura afetou a psicologia brasileira.

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