Governo Alckmin desdenha de liminar que pede atuação correta da PM na ‘cracolândia’

Secretária de Justiça afirma não ver motivo para ação do Ministério Público que cobra que a Polícia Militar não coloque os cidadãos em situação 'vexatória'; juiz vê especulação imobiliária motivando operação no centro

Cerca de 950 policiais militares recebem a ‘bênção’ do governador na última semana para ir às ruas (Foto: ©Jorge Araújo/Folhapress)

São Paulo – A secretária da Justiça e Defesa da Cidadania de São Paulo, Eloisa Arruda, e o comandante da Polícia Militar no estado, coronel Roberval Ferreira França, desdenharam da liminar concedida hoje (31) pelo Judiciário prevendo um tratamento respeitoso aos dependentes químicos que frequentam a região do centro da capital conhecida como “cracolândia”.

Os representantes do governador Geraldo Alckmin (PSDB) convocaram a imprensa para avisar que a decisão “não mudará nada” na atuação da corporação policial e que as ações continuarão seguindo a mesma linha que vem sendo executada desde o início da Operação Sufoco, em janeiro, alvo de críticas do Ministério Público Estadual e de organizações que atuam na assistência aos usuários. 

De acordo com Eloisa, a decisão favorável ao MP causou estranheza, pois não haveria sentido na proposição da ação. “O Ministério Público não tomou nenhuma atitude contra a situação da cracolândia e agora reage assim quando o governo e a prefeitura decidiram agir”, disse. A secretária afirmou que o MP não ofereceu qualquer alternativa, mas que só vão decidir que medidas tomarão quando forem notificados oficialmente. Perguntada sobre possíveis erros cometidos durante a operação, a secretária afirmou que toda ação está propensa a equívocos, mas que isso não pode prejudicar todo o trabalho desenvolvido.

Ao conceder a liminar, o juiz Emílio Migliano Neto, da 7ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, indicou que não se pode ignorar que a questão das drogas, ainda que diga respeito à saúde pública, é também um problema de segurança, mas isso não dá ao Estado o direito de agir com violência. Além disso, afirmou que o pedido de liminar “merece absoluta acolhida” pois trata de nada mais que o cumprimento da Constituição Federal, ou seja, não impede a PM de cumprir sua tarefa constitucional, mas de garantir os direitos individuais básicos.

No pedido, o Ministério Público cobra que a PM seja proibida de “empregar ações que ensejem situação vexatória, degradante ou desrespeitosa”. Ao tomar a decisão o magistrado acrescentou que a intervenção do governo estadual, em parceria com a prefeitura de São Paulo, não previu qualquer medida no sentido de atender aos moradores mais pobres e aos problemas sociais, servindo simplesmente como “estímulo à valorização imobiliária”. A Operação Sufoco foi realizada na região da Luz, no centro da cidade, alvo do projeto Nova Luz, que tenta conceder à iniciativa privada a exploração de toda a área.

Para o comandante da Polícia Militar, porém, a ação vem cumprindo sua tarefa de quebrar a logística do tráfico, mas não age sobre o direito de ir e vir. “A polícia continuará agindo na repressão ao tráfico e ao porte de drogas, que são crimes pela legislação brasileira, mas não tem como impedir o deslocamento das pessoas”, diz. França afirmou ainda que não se pode caracterizar a ação na “cracolândia” como fracasso, pois tudo o que foi feito deve ser valorizado. Apesar disso, ele evitou polêmica sobre a decisão liminar. “O MP cumpre ação fiscalizadora e vamos remeter todas informações oficialmente requisitadas”, completou.

A liminar fixou multa diária de R$ 10 mil caso a PM empreenda situações vexatórias, degradantes ou desrespeitosas contra os usuários de substância entorpecente. Também não pode impedir a permanência deles em ruas ou outros espaços públicos, bem como obrigá-los a se deslocar a outros espaços, salvo em casos de flagrante delito.

O juiz afirma que “a Polícia Militar jamais teve a pretensão de por a termo o tráfico de drogas, nem tampouco, o indissociável e mais complexo problema, que é o uso de drogas”. E que a transferência do comando da operação para o mais alto escalão da corporação demonstra uma necessidade de cautela no trato da questão, que não seria apenas uma intervenção policial.

Histórico de problemas

As notícias cada vez mais frequentes de execuções de inocentes comandadas por policiais colocaram o debate sobre a letalidade da corporação no centro do debate nas últimas semanas. Na última semana, o Ministério Público Federal (MPF) decidiu mover ação para que o comando da PM seja destituído e para que ocorra uma intervenção federal a fim de dar fim às mortes de inocentes. Hoje, o procurador Matheus Baraldi Magnani apresentou novo pedido, agora para federalizar as investigações sobre a morte de dois jovens em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. 

A atuação do órgão federal levou o Ministério Público Estadual a reagir com indignação, emitindo nota para informar que vem realizando seu trabalho. Agora, os promotores pediram a instalação de novo inquérito no qual pretendem apurar responsabilidades individuais sobre a Operação Sufoco e em relação ao enfrentamento do problema derivado do consumo do crack. O texto afirma que as ações desencadeadas desde o início da operação, ao contrário de efetivar políticas públicas no trato da questão, como reivindicadas pelo MP, “atentaram contra sua finalidade, instaurando um clima de repressão, violência, medo e desolação”.

O novo inquérito pede que o comando da Polícia Militar encaminhe aos autos, em dez dias, a relação dos coronéis em exercício no período de 20 de dezembro de 2011 a 10 de janeiro de 2012, assim como o detalhamento de todas as despesas da operação. Pede também às secretarias de Saúde e de Assistência e Desenvolvimento Socia, informações detalhadas sobre as equipes de atendimento à população e os relatórios dos atendimentos de janeiro a junho de 2012.

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