Comissão da Verdade descarta existência de ‘dois lados’ durante ditadura

Em reunião com familiares de mortos e desaparecidos, integrantes da Comissão asseguraram que irão investigar apenas as violações de direitos humanos cometidas por agentes do Estado

São Paulo – A Comissão Nacional da Verdade, nomeada pela presidenta Dilma Rousseff para investigar violações aos direitos humanos cometidas por agentes do Estado brasileiro entre 1946 e 1988, garantiu aos familiares de mortos e desaparecidos políticos reunidos hoje (11) na capital paulista que não trabalha com a hipótese de analisar crimes cometidos pelos “dois lados” durante a ditadura.

“Ficamos com uma expectativa muito boa, porque eles disseram que darão ênfase às vítimas da repressão”, relata Suzana Lisboa, membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, organização fundada na década de 1970, ainda durante o regime. “Eles deixaram claro que não existe essa história de ‘dois lados’. Não há o que discutir, as pessoas que lutaram pela liberdade foram massacradas pela ditadura.”

A reunião ocorreu no escritório da Presidência da República em São Paulo, na avenida Paulista, e contou com a presença de aproximadamente 80 pessoas. Apenas quem foi convidado pôde participar, o que desagradou aos participantes. “Esse tipo de encontro deveria ser aberto, porque têm um caráter pedagógico”, acredita Amelinha Teles, que também integra a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.

Os participantes da reunião entregaram uma carta de reivindicações aos membros da Comissão da Verdade. De acordo com Amelinha, os familiares pediram que os encontros passem a ser abertos e amplamente convocados, e que as investigações se concentrem no período entre 1964 e 1985. “Gostaríamos também que os membros da Comissão não mencionassem o termo ‘revanchismo’ ao se referirem a nossas reivindicações, porque não queremos nada mais do que justiça”, argumenta.

Apuração pra valer

Outro pedido foi que o grupo levante o nome dos colaboradores civis e empresariais do regime militar. “Queremos saber a identidade das pessoas que participaram dos interrogatórios, dos escrivães, motoristas, médicos legistas, grupos de análise e inteligência, enfim, das pessoas que trabalharam interna e externamente para a ditadura”, informa Amelinha Teles. “E também dos empresários que atuaram dando dinheiro e financiando a repressão. Há fortes indícios de que alguns industriais de São Paulo colaboraram com os militares.”

Cinco dos sete membros da Comissão da Verdade compareceram à reunião – apenas José Paulo Cavalcanti e Cláudio Fonteles não participaram. Além de escutar os familiares de mortos e desaparecidos, pela manhã, o grupo trocou figurinhas com as comissões municipais e estaduais que se dedicam à elucidação dos crimes da ditadura.

A Comissão da Verdade deve voltar a se reunir com familiares de mortos e desaparecidos políticos dentro de dois meses. “Ficamos muito contentes que tenham nos ouvido logo no início dos trabalhos”, agradece Suzana Lisboa. “É um reconhecimento do trabalho dos familiares, porque fomos nós que começamos a reescrever essa história nos últimos 40 anos, e o Estado pouco ou nada fez para nos ajudar.”

“A conversa de hoje dissipou nossa desconfiança quanto à possibilidade das investigações não darem em nada”, disse Ivan Seixas, presidente do Conselho de Defesa da Pessoa Humana (Condepe), órgão ligado à Secretaria estadual de Justiça de São Paulo. “Eles têm um discurso amarrado de que vão aproveitar o que os familiares, a Comissão de Anistia e a Comissão de Mortos e Desaparecidos já fizeram. Não vão começar do zero.”