Povos indígenas de São Paulo discutem política de atendimento à saúde

Dificuldades no atendimento, falta de medicamentos, precariedade no transporte são algumas das reclamações de pacientes indígenas

São Paulo – A política de atendimento à saúde indígena na Grande São Paulo está muito aquém das expectativas das diferentes etnias que vivem nesta região. Essa foi a afirmação dos participantes do 8º Encontro de Formação e Articulação dos Povos Indígenas de São Paulo, ocorrido no último sábado (19), na Casa de Oração do Povo de Rua, no bairro da Luz, zona sul da capital paulistana. Na pauta, o atendimento aos indígenas da cidade, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), atrelada ao Ministério da Saúde, e as condições da Casa de Saúde Indígena (Casai).

Entre os participantes, órgãos públicos, entidades da sociedade civil e lideranças indígenas que vivem na região metropolitana e no interior de São Paulo, além de pacientes indígenas de outros estados brasileiros, em tratamento na Casai de São Paulo.

As atuais mudanças na política de atendimento à saúde indígena abrangem a Sesai, novo órgão que substitui a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) no atendimento aos povos originários do país. Essa secretaria foi criada pelo Decreto 7.336, de outubro de 2010, dentro da estrutura do Ministério da Saúde. A partir de dezembro de 2011, prazo dado para as mudanças de uma estrutura para outra, a secretaria passou a responder pelo atendimento à saúde dos indígenas de todo país.

O encontro fez uma retrospectiva de anteriores, quando já se havia discutido a precariedade no atendimento à saúde dos povos indígenas no país, especialmente aos que vivem na cidade. “Nos nossos encontros em 2010, diversas etnias já haviam relatado as dificuldades no atendimento à saúde, falta de medicamentos, precariedade no transporte de pacientes indígenas e as confusas transformações da Funasa para a Sesai”, disse Emerson Guarani Nhandeva.

Sesai e Casai

Para Dora Pankararu, moradora da comunidade Real Parque, na zona sul, a proposta de uma secretaria de saúde é uma discussão que data de muito tempo, de conferências anteriores. Ela disse que as mudanças na estrutura do atendimento à saúde em São Paulo estão levando a condições piores do que a antiga, já precarizada. 

Segundo a indigenista Cristina Alves, da Fundação Nacional do Índio (Funai), o órgão nunca teve uma unidade de atendimento e atenção aos povos indígenas da cidade. “Queremos a partir de agora fazer um levantamento da população indígena na Grande São Paulo e estamos dispostos a apoiar a Sesai na questão do atendimento à saúde”, afirmou.

Para a chefe da divisão de atenção à saúde indígena, Maria das Graças Serafim, do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Litoral Sul, da Sesai, muitas ações ainda precisam avançar. “Estamos dispostos a dialogar com as comunidades que necessitarem de esclarecimentos”, disse.

“Antes poderíamos dizer que recebíamos um tratamento, ainda que precário, mas agora nem isso. Temos muitas dúvidas sobre as mudanças atuais”, afirmou Cícera Pankararu, moradora do município de Osasco.  

Sobre a Casai de São Paulo, estrutura ligada à Sesai e centro de referência no atendimento nos casos de média e alta complexidades, as denúncias são comuns aos povos de diferentes partes do Brasil que fazem tratamento no local.

“Passou a colonização e a escravidão e eu me sinto violentada pela política e as condições do atendimento à saúde que são oferecidas aos indígenas em São Paulo. Para as consultas e o atendimento, dependemos sempre da liberação do DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) e é uma burocracia”, afirmou Dora Pankararu.

Valdeni Guajajara, que faz tratamento há nove anos na casa, afirmou que a estrutura nunca esteve tão ruim. “Há somente um carro para nos atender, comprado em 2000 e que está sucateado. Estamos na casa sem saber quando teremos remédios para sermos medicados porque nem sempre há. Também estamos tomando água da torneira e dormindo em colchões precários. Tenho certo que se a vigilância sanitária for chamada vai interditar a casa”, disse.

Sobre o transporte, Maria das Graças afirmou que isso é um problema reconhecido pela Sesai e que ocorre em todo o Brasil. “Todos os carros no país estão velhos para atender adequadamente aos indígenas”, disse. Também reconheceu a precariedade na infraestrutura oferecida pela Casai. A representante disse que há interesse em resolver a situação, mas não apresentou medidas específicas para isso.

Indígenas na cidade

A população indígena vivendo na Grande São Paulo ultrapassa 20 mil pessoas, distribuídas em mais de 15 municípios, afirmam o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Pastoral Indigenista de São Paulo.

“Agora é Sesai, antes era Funasa. Todos os órgãos públicos que cuidam da gente nos abandonaram. Nós que vivemos na cidade de São Paulo, não temos muitas vezes nem dinheiro para pagar aluguel, imagine para comprar medicamentos. A lei que fala do atendimento diferenciado não é cumprida”, afirmou Renato Pankararé, morador da zona norte de São Paulo. 

Segundo Maria das Graças Serafim, a política nacional de saúde indígena tem um orçamento para trabalhar apenas com índios das aldeias. Os que vivem nas cidades devem procurar o atendimento por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).

Sobre o tema, o Ministério da Saúde lançou no último dia 10, o “Cartão SUS”. Segundo informações divulgadas no site do ministério, “o cartão integrará uma base de dados nacional e permitirá a identificação dos indígenas tanto no Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (Sasisus) quanto no SUS”.

Para o antropólogo Benedito Prezia, coordenador do Programa Pindorama da PUC-SP, outras medidas são necessárias para garantir o atendimento diferenciado. “A saúde oferecida pelo governo estadual já não é de qualidade para a população em geral. Então, talvez seja importante pensar na criação de unidades de atendimento específicas em regiões onde há alta concentração de indígenas em São Paulo, como já existe na favela Real Parque”, disse.

A historiadora e antropóloga Beatriz Maestri, do Cimi, afirmou que a resposta dada pela Sesai não contempla as demandas reais dos indígenas que vivem nas cidades. “Dizer que os recursos são apenas para os indígenas que vivem em aldeias, representa um descaso com esses povos, uma recusa ao reconhecimento de sua identidade e de seus direitos específicos assegurados em lei. A convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre Povos Indígenas e Tribais reconhece o direito diferenciado aos que não moram em aldeia”, afirmou.

No final do encontro, um grupo de lideranças indígenas ficou responsável por preparar uma carta com reivindicações e denúncias que serão encaminhadas, até o próximo mês, ao Ministério Público Federal.