Impasse provoca tensão em acampamento sem-teto do Distrito Federal

Justiça determinou reintegração de posse em área pública ocupada pelo MTST em Ceilândia, mas movimento pretende resistir. Governo defende programa habitacional e alerta: não tolerará ocupações irregulares

Ocupantes do terreno em Ceilândia organizam resistência enquanto aguardam políticas públicas de moradia acessíveis por parte do poder público (Foto: André Borges/Folhapress)

São Paulo – Venceu na sexta-feira (4) o prazo estipulado pela Justiça para que integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) desocupem um terreno público na cidade de Ceilândia, no Distrito Federal. Cerca de 400 famílias estão no local desde 21 de abril reivindicando inclusão nos programas habitacionais dos governos distrital e federal. O acampamento foi batizado como Novo Pinheirinho, em referência à ocupação realizada na cidade paulista de São José dos Campos, violentamente desapropriada pela Polícia Militar em janeiro de 2012. 

O secretário-adjunto de Governo do Distrito Federal, Gustavo Ponce, explicou que o poder público viu-se obrigado a acionar a Justiça diante da negativa do MTST em desocupar a área. “É uma obrigação de Estado, não de governo. Se não agimos, temos de responder perante o Ministério Público”, justificou. “O ideal é que os invasores cumpram a decisão judicial e se retirem espontaneamente. Caso contrário, teremos de apoiar a reintegração de posse assim que o oficial de Justiça determinar.”

O uso de força policial não está descartado. “Desde 2011, quando assumimos o governo do Distrito Federal (GDF), já desapropriamos aproximadamente 1.200 ocupações irregulares em áreas públicas, tanto de pobres como de ricos, sem violência”, disse Ponce. “Espero que o MTST compreenda que a decisão judicial deve ser cumprida e saia pacificamente.”

Enquanto o secretário-adjunto adiantou que não irá admitir ocupações de terras pertencentes ao Estado, sob risco de prejudicar os cidadãos inscritos nos programas de habitação do governo, Guilherme Boulos, membro da coordenação nacional do MTST, anunciou que as famílias instaladas no terreno de Ceilândia estão dispostas a resistir. “Não temos outra alternativa. As pessoas não têm para onde ir.”

Para pressionar o GDF a desistir da reintegração de posse, os sem-teto realizaram ontem (3) uma manifestação em frente ao Palácio do Buriti, sede do governo distrital. “Queríamos restabelecer o diálogo, mas fomos recebidos com truculência”, lamentou Boulos. Em solidariedade aos companheiros de Brasília, sem-teto de São Paulo realizaram na manhã de hoje (4) manifestações em duas das principais rodovias da região metropolitana: pneus em chamas fizeram com que Régis Bittencourt e Rodoanel ficassem parcialmente parados até o meio-dia.

Impasse

Guilherme Boulos disse que o GDF descumpriu os acordos estabelecidos com o MTST em meados de 2011, quando os sem-teto ocuparam outro terreno em Ceilândia. Na época, o governo havia se comprometido a encontrar uma solução definitiva para o problema habitacional das 400 famílias que integram o movimento no Distrito Federal. 

As autoridades também prometeram liberar um auxílio financeiro para que os sem-teto pudessem pagar aluguel enquanto a moradia não viesse. “Dois meses depois, porém, cortaram o benefício. As pessoas ficaram abandonadas”, afirmou Boulos. “Por isso, resolvemos ocupar uma nova área na cidade, em abril, um terreno público.”

Mas o GDF assegurou que não foi bem assim. “Cadastramos cerca de 380 famílias do MTST no ano passado, mas, por razões socioeconômicas, apenas oito se classificaram entre as 10 mil famílias que possuem prioridade no programa habitacional do governo”, explicou Gustavo Ponce. “Ou seja, há pessoas que não pertencem ao movimento, mas cujo perfil social demonstra que têm prioridade na obtenção de moradia. Não podemos furar a fila.”

O secretário-adjunto disse que o auxílio financeiro de R$ 200 mensais destinado aos membros do MTST foi cortado porque, após uma reavaliação, o governo concluiu que os militantes não atendiam aos critérios sociais estabelecidos para a concessão do benefício. “Sequer se enquadram no Bolsa Família”, argumentou.

Gustavo Ponce garantiu que todas as exigências do MTST foram respondidas pelo GDF, inclusive a inscrição coletiva — e não individual, como costuma ocorrer — das famílias no Morar Bem, o programa de habitação distrital. “Mesmo assim, os sem-teto quiseram permanecer no terreno até a obtenção definitiva da moradia. Isso não podíamos garantir.” Para o governo, foi o MTST quem fechou os canais de diálogo ao manter o acampamento em Ceilândia.

Especulação e déficit

O representante dos sem-teto acusa o GDF de compactuar com a especulação imobiliária existente no Distrito Federal ao reprimir os movimentos populares que lutam por moradia enquanto cede, a empreendimentos habitacionais de classe alta, áreas públicas da Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) — mesma proprietária do terreno ocupado em Ceilândia.

Mas o governo nega. “Aqui, a especulação imobiliária tem sido provocada principalmente pelas ocupações irregulares de terras públicas, que posteriormente eram vendidas por preços exorbitantes”, disse Gustavo Ponce. “É isso que queremos combater com nossas políticas habitacionais, definindo regras claras para atender a toda população, sem favorecimentos.”

O secretário-adjunto disse que um dos objetivos do governo é zerar o déficit habitacional do Distrito Federal, que passa dos 100 mil domicílios. “Em 2011, o GDF entregou cerca de 10 mil moradias populares. Até o fim do mandato, a perspectiva é construir mais 90 mil unidades habitacionais”, contabilizou. “E o MTST ainda não se cadastrou em nosso programa.”

Enquanto uma solução definitiva não se apresenta às 400 famílias acampadas no Novo Pinheirinho, o movimento teme uma reedição da violência provocada pela desocupação do bairro Pinheirinho, em São José dos Campos. O governo diz que o terreno de Ceilândia será destinado à atividade industrial, e não habitacional, e que inclusive já está sendo vendido a uma empresa que deseja instalar-se na região. “O GDF está atuando no pior estilo tucano”, disse Guilherme Boulos, ao que Gustavo Ponce respondeu: “Não queremos conflito. Tudo será feito de acordo com a lei.” É esperar para ver.