Violência no Pinheirinho foi movida por resistência e vingança

Na terceira matéria da série para a Rede Brasil Atual, informações evidenciam guerra ideológica e sentimento de revanche das forças policiais

PM paulista durante desocupação em S. José dos Campos: truculência em resposta ao exercício da cidadania (Foto: ©Anderson Barbosa/Folhapress)

São José dos Campos – Vitórias judiciais, mas principalmente resistência. Isso custou caro à comunidade que ocupava o terreno de 1,3 milhão de metros quadrados no Pinheirinho, em São José dos Campos.  A violenta ação policial de reintegração de posse foi bastante motivada por uma feroz reação política que visava a dizimar o movimento. Até mesmo o sentimento de vingança estava presente nos agentes públicos que praticaram crimes durante e após o dia 22 de janeiro deste ano.

Essa conclusão é do defensor público Jairo Salvador, que acompanha a o caso desde 2008 e atualmente presta assistência jurídica aos ex-moradores. “O pessoal do Pinheirinho era muito organizado e conseguiu muitas vitórias, não só na Justiça, mas vitórias políticas. Isso incomodou quem está no poder”, avalia.

O cenário de guerra da desocupação foi fruto de uma longa disputa que, inclusive, faz com que as administrações municipais, comandadas desde 1997 pelo PSDB, tendo como prefeitos Emanuel Fernandes (hoje deputado federal) de 1997 a 2004, e Eduardo Cury, de 2005 até o final deste ano, utilizem tom moralista, apontando o Pinheirinho à sociedade de São José como um inimigo a ser derrotado.

Entre tantas partes da estratégia de combate colocadas em prática pelo poder público, algumas saíram do discurso e se assemelharam a ações de guerra mesmo antes da desocupação. Houve tentativas de cortar água e luz dos moradores – impedidas judicialmente –, imposição de dificuldades ao acesso de programas sociais, como o Bolsa Família, e constante criminalização da ocupação perante a população da cidade.

Vingança

O intuito de tornar a comunidade objeto de ódio nasceu em 2004, quando pessoas que ocupavam um terreno no bairro Dom Pedro I, localizado na região sul do município, assim como o Pinheirinho, entrou em confronto com a Guarda Civil Metropolitana (GCM). “Havia um sentimento de vingança desde 2004, pois o pessoal que desocupou o Dom Pedro I foi para o terreno do Pinheirinho”, conta Jairo Salvador.

Na desocupação do Dom Pedro I, o conflito foi intenso. Os agentes públicos entraram com violência e houve reação dos moradores. Um GCM foi ferido. Os guardas e a própria prefeitura queriam uma revanche. “A guerra começa ali, pois eles passam a considerar o Pinheirinho inimigo comum. Estabelecem que o movimento deva ser dizimado, servir de exemplo para que outros não se organizem. Não é à toa que procuraram afastar as pessoas depois de desocupar, foi uma forma de impedir qualquer reorganização”, esclarece o defensor.

Desde 2004, quando se iniciou a batalha judicial pela posse do terreno, muitos foram os reveses da prefeitura e dos agentes de segurança que esperavam ansiosos pela reintegração de posse favorável à massa falida da Selecta, do especulador Naji Nahas. No entanto, nenhum golpe foi mais constrangedor do que o recebido pelo comboio de policiais militares e guardas civis metropolitanos em 17 de janeiro último, uma terça-feira, cinco dias antes da desocupação.

Na ocasião, havia uma ordem permitindo a operação policial, que seria cumprida sorrateiramente, na madrugada, como ocorreu no fatídico 22 de janeiro. Porém, às 4h, a Defensoria Pública interceptou o grupo de veículos que seguia na direção do Pinheirinho. “Conseguimos uma liminar na Justiça Federal. Interceptamos o comboio e apresentamos a ordem que cancelou a operação. A PM ficou desmoralizada, visivelmente frustrada. Imagina todo aquele pessoal, na adrenalina em que são preparados, tendo de voltar pro quartel? Depois, houve uma comemoração dos moradores. A polícia se sentiu, sim, desafiada”, destaca Jairo.

O sentimento de vingança esteve evidente quando a policia colocou em prática a ação. As balas de borracha e as bombas de efeitos moral, consideradas armas não letais, foram usadas indiscriminadamente. Uma questão social era tratada como assunto militar. “As pessoas receberam bala de borracha de forma gratuita. Esse discurso de arma não letal, que não mata, justifica atirar em qualquer um. Só que dependendo de onde pegar o disparo, mata. O fabricante diz que mata, que tem de atirar em membros inferiores. Aí, quando pega no rosto, a polícia diz que a pessoa se abaixou. Quero a informação do Estado sobre quanto de balas de borracha foi utilizado”, diz o defensor.