Relatório de conselho paulista é a Comissão da Verdade do Pinheirinho, diz deputado

Levantamento baseado em 624 depoimentos de ex-moradores do Pinheirinho mostra as violações dos direitos humanos registrados na operação de reintegração de posse

São Paulo – O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe) divulgou hoje (9), na Assembleia Legislativa, relatório preliminar da ação policial de remoção dos moradores da comunidade Pinheirinho, em São José dos Campos, no interior paulista, na reintegração de posse do terreno. O documento formatado com relatos da população local revela a quantidade de violações dos direitos humanos ocorrida durante e depois da ação policial.

“O governo do estado nega que tenha havido vítimas de violência ou de perda de bens com a destruição das casas. Nós juntamos 624 denúncias assinadas pela população que morava no Pinheirinho, dando conta do inferno que foi aquela operação”, disse o relator do documento e conselheiro do Condepe, Renato Simões.

De acordo com os depoimentos registrados pelas vítimas, houve 260 casos de ameaças e humilhações durante e após a ação, além de 205 casas demolidas sem a retirada dos bens, 166 agressões físicas aos moradores, 71 casas saqueadas – algumas até pelos próprios policiais – e 67 ameaças com uso de armas.

Após a ação coordenada pela Polícia Militar e pela Guarda Civil Metropolitana de São José dos Campos, foram oferecidos aos moradores alguns abrigos na cidade. O presidente do Condepe, Ivan Seixas, descreveu esses locais como verdadeiros campos de concentração. “As pulseirinhas de identificação eram similares às tatuagens utilizadas pelos nazistas em campos de concentração”, relatou.

Como consequência da perda das casas e dos objetos pessoais, em muitos casos, o relatório do Conselho mostrou que 306 pessoas tiveram um prejuízo estimado de R$ 5 mil a R$ 25 mil, e outros 66 ex-moradores calcularam suas perdas entre R$ 26 mil e R$ 45 mil. Desse montante, somente 66% receberam atendimento de serviços com acolhimento social.

Dos ex-moradores do Pinheirinho entrevistados pelo Condepe, 323 não estavam incluídos em nenhum tipo de programa social e 275 recebiam algum tipo de auxílio de órgãos públicos. Dos que participavam de programas sociais, 99 afirmaram que tiveram seus auxílios prejudicados de alguma forma após a invasão, 239 não notaram qualquer prejuízo e 175 não souberam ou não responderam.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública contrariou os depoimentos e não comentou as violações. “A reintegração de posse, em São José dos Campos, foi pacífica. Não houve resistência. Os policiais militares usaram munição não letal. Os moradores concordaram em sair pacificamente do local. Houve raros casos de confronto em bairros vizinhos, depois da desocupação”, afirmava a nota assinada pelo secretário Antonio Ferreira Pinto.

Não dá saudade

Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia, deputado Adriano Diogo (PT), a forma como estão sendo conduzidas as investigações lembram a época da ditadura. “Essa peça é fundamental, produzida pela sociedade civil como nos tempos da ditadura, quando os familiares tinham de dizer que seus parentes foram mortos para poder virar peça jurídica. O Condepe está fazendo uma Comissão da Verdade do caso Pinheirinho”, avaliou.

Para o parlamentar, essa foi uma ação governamental, uma ação de estado maior. “A reintegração ocorreu no domingo de madrugada, com características jamais vistas, o cerco não previa a entrada da imprensa e de nenhuma autoridade”, disse.

Ele ainda afirmou que, desde que ocorreu o caso Pinheirinho, todos os requerimentos que foram enviados à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia foram rejeitados. “Agora, há uma intervenção do governo estadual, comandada pelo deputado Cauê Macris (PSDB), para que a Comissão não atinja o quórum em nenhuma reunião”, contou.

Próximo passo

Renato Simões espera que o documento produzido pelo Condepe possa servir como instrumento para futuros desdobramentos e eventuais punições. “Dar voz às vítimas e cobrar providências do Ministério Público, da Defensoria Pública e de outros órgãos do estado é o primeiro passo do Condepe rumo ao esclarecimento de todos os fatos”, falou.

Para o representante do Ministério Público no Condepe, Eduardo Dias Ferreira, o relatório irá se juntar ao conteúdo já colhido pelos procuradores para futuros inquéritos. “Os colegas promotores vão analisar esses depoimentos, esses relatórios, essa análise que foi feita e trabalhar para poder agregar nas investigações”, observou.

O Condepe vai encaminhar o relatório ao poderes legislativos do estado e do município de São José dos Campos, bem como ao Congresso Nacional e ao governo de São Paulo. Órgãos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA) também receberão exemplares do documento. O relatório final ficará pronto em 30 dias.

Entenda o caso:

A decisão da juíza Marcia Loureiro que viabilizou a reintegração de posse do terreno passou por cima de liminar da Justiça Federal, que suspendia a ação de reintegração por 15 dias. Acreditava-se que um acordo estaria próximo de acontecer, uma vez que deputados estaduais, senadores e governo federal articulavam uma solução sem confrontos.

O juiz auxiliar do Tribunal de Justiça, Rodrigo Capez, cassou todas as liminares impetradas pelos movimentos sociais. A ação ocorreu na madrugada de 22 de janeiro e contou com efetivo de 2 mil policiais militares, inclusive da Tropa de Choque.

Além de audiências públicas no Senado, o deputado estadual Marco Aurélio (PT-SP) corre atrás de 32 assinaturas para instalar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Pinheirinho, na Assembleia Legislativa paulista. Ele garante que o governo estadual exerce forte pressão sobre os parlamentares da base governista para que não assinem e não contribuam com a investigação.

 

Leia também

Últimas notícias