Sem rumo, famílias que moravam no Pinheirinho ainda não veem recomeço

Duas mães de família dividem uma preocupação em comum: como conseguir levar a vida adiante sem ter perspectiva de alugar casa e reconquistar seus bens perdidos

Aos 57 anos e cuidando de uma família de dez pessoas, dona Eni passa seus dias abrigada em uma pista de bocha (Foto: Danilo Ramos/RBA)

São José dos Campos – Matriarca de uma numerosa família, Dona Eni Vieira Dias, 57 anos, vive provisoriamente no abrigo do Jardim Morumbi, em São José dos Campos, após ser despejada de sua casa na comunidade do Pinheirinho, no dia 22 de janeiro. À espera do recebimento do cheques de auxílio-aluguel e de auxílio-mudança, no valor total de R$ 1.000, ela se diz aflita por não saber como conseguir alugar uma casa, e principalmente como mantê-la, já que todos os móveis e eletrodomésticos que tinha foram perdidos durante a operação. “A gente procura, mas não acha casa, e quando acha é R$ 1.200, R$ 1.300. É uma despesa muito grande para o dinheiro que temos. Perdemos tudo, como vamos viver?”, lamentou à reportagem da Rede Brasil Atual. Sob sua supervisão na situação precária estão também dois idosos que acompanham a família e precisam de cuidados especiais.

Dona Eni: Perdemos tudo. Como vamos viver? (Foto: Danilo Ramos/RBA)

A ex-moradora se queixa da pressão que as famílias estariam sofrendo para deixar os abrigos logo no ato da entrega dos cheques. Ela teme por uma segunda expulsão em menos de um mês, e segue apreensiva por ainda não ter encontrado um lugar para morar. “Não tem como ver uma saída. Eles deveriam tirar a gente daqui e dar um terreninho, por menor que fosse. Eu ficaria feliz da vida”, disse. 

Os nove familiares dormem e passam a maior parte do dia em um estreito campo de bocha do espaço cultural que serve de abrigo. Entre eles, um bebê de um ano de idade. Algumas pessoas chegam a dividir colchões de solteiro para passar a noite. Desde que se instalaram nos abrigos, os moradores reclamam das refeições oferecidas pela prefeitura. Mostrando um prato de arroz e feijão, Eni garante que “nem cachorro come” a comida que, segundo ela, não teria gosto e, de quebra, fez algumas pessoas passarem mal. Ela diz que emagreceu depois que foi para o abrigo.

Nos dias de chuva em São José, a única proteção lateral do abrigo improvisado é um plástico amarelo tampando uma tela de arame. “O Cury (Eduardo Cury, prefeito de São José dos Campos) e o governador (Geraldo Alckmin, também do PSDB) deveriam estar no nosso lugar”, disse. Ela criticou, ainda, o valor oferecido – muito abaixo da oferta imobiliária da cidade. “Vamos fazer o que com R$ 1 mil? Esse valor para eles (prefeito e governador) é só o café da manhã que pagam”, completou Dona Eni, indignada.

Na operação de despejo, nada foi salvo, “nem mesmo as roupas”, segundo ela. Emocionada, lembra que ainda está pagando o material de construção que comprou para erguer as paredes de bloco da casa. “Nós não merecemos isso, não. Não temos vasilha, fogão, como é que vamos cozinhar? Como é que se aluga uma casa nessas condições?”. 

Outra história, o mesmo receio

Já Dona Osorina Ferreira dos Santos, de 62 anos de idade, conseguiu resgatar o seu fogão – 

Dona Osorina vive em um pequeno espaço com outras cinco famílias. Seu único bem é o fogão, que conseguiu resgatar (Foto: Danilo Ramos/RBA)

hoje se orgulha de poder esquentar a água para coar seu café e o dos vizinhos de abrigo -, mas também teme pelo futuro. Ela vive em um espaço apertado, que divide com outras cinco famílias. “Aqui fica todo mundo junto, não tem jeito não. Está ruim a convivência, mas é o que dá para fazer agora”, lamentou. As últimas 140 famílias que ainda estão na fila para o cheque afirmam que foram prejudicadas pela demora. “Eu vou te falar a verdade, não aguento mais andar. Bem no comecinho a gente ainda encontrava casa, mas não tinha dinheiro. Agora que o cheque está para sair, não tem mais casa no valor que dá para pagar. E a imobiliária ainda pede três meses adiantado”, lamentou.

Ex-esposa de Ivo Teles dos Santos, idoso que teria sido espancado por policiais do dia da reintegração de posse, ela conta que vai todos os dias até o Hospital Municipal de São José dos Campos para visitá-lo. “Não estou conseguindo achar casa, e ainda preciso ir na UTI. Foi a polícia que bateu nele lá no Pinheirinho. Se não fosse meu primo para acudir, ele tinha morrido”, disse. Segundo ela, Ivo está respirando por aparelhos e seu lado esquerdo não responde aos estímulos. 

O caso é um dos 507 denunciados pelos ex-moradores do Pinheirinho em apenas um dia de coleta de depoimentos de violência física e de perda e dano material ao Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe). A abordagem policial, o suporte jurídico dado à reintegração de posse, e a parceria das administrações municipal e estadual no caso estão sendo debatidos por juristas, parlamentares e movimentos sociais.

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