Promotor em habitação diz que diálogo com Kassab é ‘hipócrita e improdutivo’

Maurício Lopes vê Prefeitura de São Paulo entregue ao mercado, lamenta sem-teto tratados como bandidos e vai processar secretários que não cumpriram decisão judicial

Política habitacional de São Paulo, para Kassab, vira questão de segurança pública (Foto: Arquivo/RBA)

São Paulo – Maurício Lopes, promotor de Habitação e Urbanismo do Ministério Público Estadual em São Paulo, não esconde o cansaço em ter de dialogar com a prefeitura da capital, administrada por Gilberto Kassab (PSD). “Difícil, tenso, hipócrita, pouco tendente a resultados”, resume, sempre em respostas breves, aquilo que pensa sobre as tentativas de acordo.

O caso atual é o das famílias sem-teto que vivem há uma semana na calçada da avenida São João, no centro de São Paulo. Expulsas de uma ocupação ao lado, elas conheceram mais uma vez a rua, e desde então acusam sofrer intimidações da Guarda Civil Metropolitana, a força de segurança municipal. Na última segunda-feira (6), pouco depois de receber a reportagem da Rede Brasil Atual, Lopes teve de negociar a situação com o secretário de Segurança Urbana, Edsom Ortega, e não escondeu a insatisfação em não poder tratar o assunto diretamente com a Secretaria de Habitação. “Acho um absurdo fazer dessas pessoas bandidos, fazer dessas pessoas os agressores, quando são as vítimas”, define. Depois disso, soube por meio do secretário de Negócios Jurídicos, Cláudio Lembo, que a prefeitura não tem a intenção de dar cumprimento a determinação judicial que prevê o atendimento habitacional das famílias expulsas.

Após as eleições de 2008, o promotor moveu ação pedindo a cassação de Kassab e de vereadores que receberam doações irregulares. O caso que mais chamava atenção era o da Associação Imobiliária Brasileira (AIB), uma entidade sem sede fixa, que congregava as principais empresas de construção. Lopes não tem dúvidas de que se tratava de uma fachada para encobrir doações do Secovi, o sindicato da habitação. A Justiça de primeira instância reconheceu o mérito e definiu pela cassação do mandato do prefeito, mas a decisão foi revogada pelo Tribunal Regional Eleitoral.

Hoje, o promotor vê a gestão municipal entregue ao mercado. “Quem fala grosso nessa administração municipal é o capital, não é o cidadão.”

A seguir, os principais trechos da entrevista.

RBA – Para o senhor, é melhor discutir essa questão com o secretário de Segurança Urbana ou com o secretário de Habitação?

Sem dúvida nenhuma, com habitação. Segurança urbana foi quem pediu para vir aqui. Eu não o convidei. Vou recebê-lo, naturalmente, mas sem dúvida essa é uma questão de habitação. Não vou dizer que é de assistência social porque não é.

RBA – A Secretaria de Segurança Urbana afirmou que vai responsabilizar os líderes da Frente de Luta por Moradia por qualquer problema com as pessoas que estão na calçada.

Eu vou responsabilizar o secretário. O secretário de Segurança Urbana e o secretário de Habitação por omissão. O de Segurança Urbana pelo que fez. E o de Habitação por omissão. Vamos ver quem processa melhor se é essa a questão. Acho um absurdo fazer dessas pessoas bandidos, fazer dessas pessoas os agressores, quando são as vítimas.

RBA – Como é o diálogo com a prefeitura de um modo geral na área de habitação?

Difícil, tenso, hipócrita, pouco tendente a resultados. A prefeitura se jacta que no ano passado entregou seis mil unidades de habitação. O déficit na capital, segundo ela mesma fala, é de 800 mil habitações. Em vinte anos, ninguém nascendo mais, está resolvido o problema. Parece uma conta de chegada razoável? É evidente que não. Qual o orçamento municipal para habitação e qual o orçamento municipal para grandes obras viárias? Onde está a prioridade dessa cidade? Não há prioridade para a habitação popular.

RBA – O senhor é responsável pela ação que pede cassação de Kassab por doações vedadas de campanha. Num segundo momento, o Judiciário derrubou a ação.

O Tribunal Regional Eleitoral resolveu se apegar a um formalismo em vez de se apegar à lei. Lamentável. A razão estava na primeira instância, na condenação dessas pessoas. Mas o tribunal tem a última palavra.

RBA – Chama a atenção o papel da Associação Imobiliária Brasileira.

Que é uma fachada do Secovi, que é um sindicato, e sindicato não pode participar de doações. Aquilo ficou bem estampado, bem visível. Agora, também tem uma coisa: é fraude que não se repete. Isso não vai acontecer de novo este ano. Eles têm só uma chance de aplicar um golpe desses. Claro que mudam de estratégia, fazem um pouco diferente, mas daquela maneira não acontece de novo.

RBA – No caso da Nova Luz, como o senhor avalia o fato de uma parte da população envolvida não ter sido ouvida?

É de novo a velha tática da atual administração em que ouve o capital, mas não ouve o povo. Quem fala grosso nessa administração municipal é o capital, não é o cidadão. É um caso sério. A gente sabe que aquela região precisa de melhoramentos urbanos? É evidente que sim. Precisa passar por uma requalificação? É evidente. Precisa começar por onde? Para mim, poderia começar pelas habitações precárias que tem na rua Mauá, por exemplo. Quem passa em frente à Estação da Luz vê uns prédios em condição ruinosa. Há prédios na região que precisam passar por este processo. Nos primeiros cinco anos do Nova Luz não tem uma edificação de natureza popular. O foco deveria ser outro.