Famílias sem teto encerram o ano com resistência em ocupações em São Paulo

Para entidade de luta por moradia, especulação imobiliária pesa mais em decisões da Justiça do que o bem estar do ser humano. Movimento critica postura de Gilberto Kassab

São Paulo – Após um ano de resistência e dilemas judiciais, famílias sem teto mantêm ocupações pontuais em imóveis abandonados no centro da capital paulista. Alguns dos prédios estão vazios há mais de 20 anos. Estimativas de movimentos de moradia popular apontam que a região central da maior cidade da América do Sul tem potencial para abrir 800 mil unidades habitacionais. As dificuldades para uma política de moradia adequada vão da falta de diálogo com os governantes a decisões desfavoráveis do judiciário.

Representantes das entidades de defesa à moradia popular avaliam que a truculência recorrente nas ações de reintegração de posse foi ultrapassada pela “violência da canetada” dos juízes, que têm dado ganho de causa aos proprietários dos edifícios. Em novembro, a juíza Carla Themis Lagrotta Germano, da 31ª Vara Cível de São Paulo, decidiu pela desocupação de 200 famílias de um prédio de um antigo hotel desativado na avenida São João. Havia 101 crianças entre os sem teto. Em carta endereçada à Corregedoria Geral da União, a Frente de Luta por Moradia (FLM) rechaçou a decisão alegando que a juíza teria agido a favor do “parasitismo econômico”.

O recrudescimento da prefeitura na ação contra ocupações começou em 2010, segundo a frente. Naquele ano, quatro edifícios foram tomados por famílias vindas de outras ocupações, despejadas ou moradores de áreas de risco. Em novembro daquele ano, as famílias que estavam no antigo prédio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na avenida Nove de Julho, foram retiradas com truculência pela Polícia Militar, com uso excessivo de spray de pimenta e bombas de gás lacrimogênio, na avaliação de defensores públicos. Todas as operações foram feitas durante a madrugada, sem aviso nem negociação previos.

Sem função social

Carmem Ferreira, coordenadora da FLM, relata que os prédios desocupados na ocasião continuam fechados e sem cumprir nenhuma função social. Em vez disso, servem como criadouros de insetos transmissores de doença, como o mosquito da dengue. “Os juízes não avaliam o ser humano e a vida, e sim dão mais importância aos imóveis”, declarou. Uma das ocupações, na avenida São João, comemorou um ano de permanência em outubro passado. Antes abandonado, o prédio ganhou nova vida e tem atualmente biblioteca organizada com doações de livros. A reintegração de posse do imóvel será discutida em audiência em fevereiro de 2012.

As famílias das ocupações do centro de São Paulo passaram três grandes reintegrações no ano e, até o momento, não foram incluídas em programas habitacionais do município, segundo a FLM. A proposta do grupo é dar alternativa à desapropriação e demolição dos prédios. No caso do Edifício São Vito, próximo ao Mercado Municipal e demolido em maio deste ano, algumas famílias ainda enfrentam a fila para demandar vagas junto à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), ligada à Secretaria de Habitação do governo estadual.

Para o movimento de sem tetos, prédios residenciais e de hotéis abandonados do centro da cidade poderiam ser reformados e adaptados para moradia popular. É desse tipo de intervenção que poderiam ser criadas as 800 mil unidades. Estimativas mais conservadoras, do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sugerem a existência de 290 mil apartamentos desocupados. Segundo o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), a capital paulista tem 1,112 milhão de domicílios vagos, número pouco inferior às 1,127 milhão de famílias sem casa adequada.

Especulação imobiliária

O motivo para que isso não ocorra é simples, embora trágico, na visão de Carmem: “A cidade de São Paulo está refém da especulação imobiliária e não tem uma parceria forte para resolver o problema de moradia”. Ela refere-se à oferta de programas como o Minha Casa Minha Vida, do governo federal, que atende famílias com renda de até três salários mínimos.

Para ela, o que acontece na capital decorre da ausência de um olhar direcionado aos mais pobres, uma opção política do atual prefeito Gilberto Kassab.  A ativista sustenta que a administração municipal tem deixado de lado ações conjuntas com outros órgãos, incluindo autarquias municipais e estaduais.

Um remédio para o que o movimento de moradia considera “negligência” seria estabelecer um programa que obrigasse o município a cumprir atendimento habitacional com eficiência. O auxílio-aluguel da prefeitura, considerado pelos movimentos de moradia um mecanismo para maquiar a ineficiência da política habitacional paulista, paga em média R$ 350 por família. “O município alega que não tem terra, e a gente prova que tem. E muito. Já estão até construídos”, ressaltou.

 

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