Jovens de São Paulo aderem à mobilização mundial contra o sistema

Movimento, chamado de 15-O, ocorre em 950 cidades de 82 países para demonstrar insatisfação com estrutura global na qual '1% toma decisões, 99% pagam por isso'

Passeata pelo centro da capital paulista marca ato por mudanças políticas e econômicas globais (Foto: Danilo Ramos/Rede Brasil Atual)

São Paulo – Pedro Fuentes quer ignorar a encharcada manhã de sábado. “Vamos ocupar as ruas de São Paulo”, grita, animado, enquanto uma centena de pessoas se aboleta sob menos de uma centena de guarda-chuvas e caminha pelo centro da cidade. Aos 68 anos, Pedro é um desvio estatístico neste encontro, dando aos matemáticos o difícil desafio de recalcular a média de idade dos presentes.

Após longa reunião, conclui-se que o grupo situa-se numa faixa etária de 20 anos – sem Pedro, seria 19. São jovens, muitos recém ingressados na universidade, outros no ensino médio, que querem uma porção de mudanças no mundo. Melhorias na educação, dar um não a Belo Monte, a manutenção do atual Código Florestal, igualdade entre os gêneros, combate à homofobia, transparência nos gastos da Copa, o fim das injustiças ao povo palestino, o começo da Justiça aos torturadores do regime autoritário.

Então, pelo quê se reúnem? “A principal pauta que nos faz estar aqui é sermos contra a pseudodemocracia que está colocada”, explica Bárbara Guimarães, uma jovem que fotografa o encontro. “Está dentro de um sistema econômico que não aceitamos. A linha em comum é ser anticapitalista e contra o sistema antidemocrático”.

15-O se chama o movimento. E calcula-se estar ocorrendo em 950 cidades de 82 países. O nome é uma alusão a 15-M, como ficou conhecida a manifestação de 15 de maio na qual jovens espanhóis foram às ruas com a certeza de que podem mudar a realidade daquele país. Para eles, a crise econômica que afeta a Europa – no caso da Espanha, com as mais altas taxas de desemprego – não é simplesmente um problema de arranjo das finanças, mas uma crise estrutural do sistema.

“Poucos têm muito, muitos têm pouco”, diz uma faixa pintada por Tamires Cordeiro, uma menina de 18 anos que não interrompe por um segundo a tarefa de expressar por escrito seus pensamentos. Sob a marquise da Praça do Patriarca, na capital paulista, enfim os jovens se veem a salvo de uma parte da chuva, que cai a cântaros nos últimos dias. “Acredito completamente nesta manifestação. Porque ninguém me convenceu a estar aqui. Vim porque quis”, explica, enquanto já começa a pintar outra faixa: “Ocupe São Paulo”.

Ocupe Wall Street é a mais nova perna dos movimentos populares iniciados na Primavera Árabe. Tunísia, Egito, Líbia. Espanha, Portugal, Irlanda, França. Até chegar aos Estados Unidos, centro do sistema nervoso capitalista. Lá, jovens ocuparam uma área próxima à maior representação do capitalismo financeiro, considerado culpado por um sistema calcado em desigualdades no qual não há regras para os bancos e as transnacionais, mas há montes de regras para regular a vida dos cidadãos.

“1% toma decisões, 99% pagam por isso” é a frase que surge como mantra nas bocas dos jovens paulistanos – pode haver ligeiras variações, como “99% trabalham, 1% se apropria desse trabalho”, mas a ideia central é a mesma: é uma geração que contesta a validade da noção de trabalhar em busca de um enriquecimento que cria angústias e que nunca atende às expectativas que promete.

“Só há dois caminhos. Ou seguir afundando, ou procurar uma alternativa”, constata o veterano Pedro. “Estamos no nascimento de um novo processo mundial. Esse sistema está fissurando”. Ele faz uma cara de estranheza quando, ao notar o forte sotaque, pergunto de onde vem. Seu rosto estampa um sonoro “que importa?”. O importante é que está em São Paulo e quer tratar de ajudar a crescer o movimento. Embora seja quadro de um partido, Pedro não acredita na atual representação política, e pensa que ela só faz afundar o descrédito do sistema vigente.

“É um movimento que tem mais profundidade que os da década de 1990 porque junta vários setores indignados. Os jovens são protagonistas, mas a população como um todo dá respaldo”, acrescenta a pesquisadora Natalie Drumond. “Hoje não se tem saídas. As pessoas estão descrentes com este sistema, que não consegue oferecer alternativa cultural, ecológica, humana”.

O 15-O em São Paulo, que alguns chamam por “Democracia Real Já”, tem métodos de organização similares aos do restante do mundo. Em parte por se inspirar naqueles movimentos. Em parte porque as causas que levam a se mexer são as mesmas. É natural que se recuse a associação a partidos políticos e a outras instituições tradicionais da luta política.

Alguns dos manifestantes integram coletivos de diversas áreas, mas, no geral, recusa-se que este ou aquele grupo comande a mobilização. As reuniões são convocadas pela internet e realizadas em lugares públicos para que qualquer pessoa possa se somar ao debate. Os integrantes se dividem em comitês por uma questão de logística, sem verticalidade. Em assembleias, decidem se vão fazer esta ou aquela atividade, quando e como.

Em São Paulo, a intenção é acampar no Vale do Anhangabaú, apesar da tormenta e do frio, com data de entrada, sem data de saída. Vive-se um dia de cada vez: admite-se o tamanho diminuto da mobilização paulistana em comparação com as marchas de centenas de milhares de pessoas em outros pontos. “Só por acontecer em 900 cidades é ‘surreal’. Ontem estava pensando que nunca poderia imaginar que viria a uma manifestação que tem a ver com os Estados Unidos, com a Espanha, com o Chile”, constata Maíra Tavares Mendes, professora de uma rede popular de cursinhos pré-vestibular.

Ela faz uma cara de espanto quando ouve de uma repórter se não teme que as manifestações ao redor do planeta desemboquem em “radicalismos socialistas”. Para por um segundo, como a ter certeza de que ouve o que ouve, e responde: “A maioria das pessoas concorda que, do jeito que está, não está bem. A gente não precisa ter medo de se mostrar socialista”.

Para os manifestantes, o ato deste sábado foi apenas a largada para uma série de mobilizações que acabarão por colocar o país no mesmo nível de mobilização das nações árabes e europeias. É uma questão de tempo, talvez dois ou três anos, na leitura dos jovens, para que os efeitos ruins do atual sistema voltem a se mostrar com força por aqui. “Vivemos um contexto diferente no Brasil. Há muitas especificidades. Mas pelo nível de globalização estou segura de que o país não está livre destes problemas”, constata Natalie. “O sistema capitalista está em um beco sem saída.”