Câmara faz acordo e aprova projeto que cria Comissão da Verdade

Governo e oposição fizeram acerto para incorporar emendas. Texto segue para o Senado

Sessão plenária da Câmara que aprovou projeto do Executivo que cria a Comissão da Verdade (Foto: J. Batista/Ag. Câmara)

São Paulo – Votada em regime de urgência, a Comissão da Verdade foi aprovada pela Câmara Federal no fim da noite desta quarta-feira (21). A votação do projeto foi possível graças a um acordo entre o governo e os partidos de oposição para incorporar emendas ao texto. A matéria segue agora para apreciação do Senado.

Uma das emendas, do líder do PSDB, Duarte Nogueira (SP), prevê que qualquer cidadão interessado em esclarecer situação de fato revelada ou declarada pela comissão terá a prerrogativa de solicitar ou prestar informações para esclarecer a ocorrência.

A comissão, composta por sete membros indicados pela presidente da República, terá dois anos para investigar violações de direitos humanos promovidas pelo Estado no período de 1946 a 1988. Outros 40 países, como Argentina e África do Sul, por exemplo, já tiveram experiências similares para permitir que a história fosse conhecida.

De acordo com o projeto, a comissão poderá requisitar informações a órgãos públicos, convocar testemunhas, promover audiências públicas e solicitar perícias. As atividades serão públicas e os resultados da apuração serão encaminhados à Justiça. Nenhum poder de responsabilização penal ou criminal competirá aos membros do órgão.

Não poderão ser escolhidos para integrar a Comissão da Verdade pessoas que exerçam cargos executivos em partidos políticos, exceto se for de natureza honorária; os que não tenham condições de atuar com imparcialidade; e os que estejam no exercício de cargo em comissão ou função de confiança em qualquer esfera do poder público.

Toda a documentação que for apurada pelos trabalhos do grupo será enviada para o Arquivo Nacional e deverá posteriormente ser aberta para livre consulta.

A discussão foi conturbada. Uma sequência de sessões extraordinárias garantiu a aprovação de três projetos de lei antes da apreciação da Comissão de Verdade pelo plenário. Parlamentares do PTB e figuras como o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), de origem militar e opositor inveterado da reabertura de investigações do período, fizeram reincidentes manifestações contra o pedido de urgência para a matéria.

Bolsonaro (PP-RJ) também pretendia que fosse aprovada uma emenda de sua autoria proibindo a denúncia criminal ou aplicação de sanção punitiva de qualquer tipo aos militares que se recusarem a colaborar com a Comissão da Verdade. A emenda foi reprovada e o projeto torna obrigatória a colaboração dos servidores civis e militares.

Comemoração, mas nem tanto

Ex-preso político durante a ditadura e autor de diversos livros sobre o tema, o deputado federal Emiliano José (PT-BA) comemorou a decisão por considerar que um “anseio nacional” foi atendido. “A Comissão da Verdade será um passo adiante na consolidação da democracia no Brasil”, disse.

Para Brizola Neto (PDT-RJ), autor do requerimento de urgência para a votação do projeto, o que a aprovação garante vai além de disputas partidárias. “É o direito de mães, pais, filhos, amigos, saberem o que se passou com seus entes queridos. É tirá-los de uma angústia de mais de 30 anos, que em muitos casos os acompanhou até a morte, sem dar-lhes paz para aceitar a perda e o sofrimento. É limpar seus corações e permitir que as lágrimas, finalmente, limpem a dor.”

“Como temos dito, a Comissão da Verdade negociada com militares é meia-boca, chinfrim e, de verdade mesmo, trará muito pouco perto do que deveria”, criticou Ivan Valente. “A Comissão da Verdade (que os militares aceitam) não terá recursos suficentes para nada, muito menos prerrogativa de responsabilizar culpados”, critica.

A polêmica em torno da criação da Comissão da Verdade rachou setores do governo e da sociedade. O projeto enfrenta resistências de setores conservadores, incluindo militares, que acusam a iniciativa de “revanchismo” e consideram-na uma tentativa de contornar a Lei de Anistia, de 1979, que isentou autores de crimes políticos no período da ditadura (de 1964 a 1985).

Do lado dos defensores de direitos humanos e parentes de vítimas da ditadura, há pessoas que enaltecem a importância de uma comissão para apurar os crimes cometidos no período e um grupo que critica a forma como isso será feito. Isso porque o projeto de lei 7.376/2010, de autoria do Executivo federal, sofreu mudanças no Congresso Nacional. Eles acreditam que a costura para a aprovação da iniciativa pode comprometer os resultados efetivos.

O objetivo é fazer com que as violações dos direitos humanos sejam de conhecimento do povo brasileiro, como atesta um manifesto assinado, por exemplo, pelo teólogo Leonardo Boff, o sociólogo Emir Sader e a filósofa Marilena Chauí. Ex-ministros da Secretaria Especial de Direitos Humanos, além do próprio governo, defendem a medida no formato aprovado.

Com informações da Agência Câmara

Leia também

Últimas notícias