Ativista critica MEC por ter ‘amaldiçoado’ kit anti-homofobia e cobra debate na escola

Retomada do material é pouco provável, mas ONG defende autorização, pelo ministério, para publicação do material pelos autores. Diversidade sexual demanda abordagem com estudantes

São Paulo – Abolido dos programas de educação do governo federal após pressão da bancada evangélica no Congresso Nacional, o kit anti-homofobia encontra-se na condição de “maldito”. A coordenadora da ONG ECOS, Lena Franco, que participou da elaboração do material educativo, lamenta o episódio por considerar que a proibição de circulação do kit foi “moeda de troca” do governo com sua bancada no Legislativo.

Em maio, quando o material anti-homofobia era preparado para ser distribuído pelo Ministério da Educação em unidades de ensino da rede pública, a polêmica se instaurou. E foi agravada pela tensão da votação do Código Florestal e por pressão da oposição para  convocar a depor o então ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci – envolvido em suspeitas de conflito de interesses e tráfico de influências.

Na negociação com líderes da bancada evangélica, que taxaram o material como “kit-gay”, Dilma firmou uma carta garantindo que não tomaria “a iniciativa de propor alterações em temas concernentes à família e à livre expressão de qualquer religião no país”. A pressão foi tamanha que a presidenta pode ter tomado a decisão a partir do material errado, já que a circulação de versões falsas do material tumultuava ainda mais a discussão.

Durante debate na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) na quinta-feira (21), sobre homofobia nas escolas, Lena voltou a explicar como o kit foi elaborado. O pedido partiu da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), do Ministério da Educação (MEC), e teve como objetivo alterar as concepções didáticas e pedagógicas que ainda mantêm dispositivos que podem alimentar a homofobia.

Segundo a representante da ONG, o MEC iria distribuir o kit para cerca de 22 mil escolas públicas do país para que professores, coordenadores e a direção das instituições de ensino pudessem trabalhar o tema com os alunos. O kit continha boletins, cadernos, peças audiovisuais e pôster para compor um programa de abordagem do assunto entre estudantes. Era, assim, um material de preparação, não seria entregue diretamente a crianças e adolescentes.

Além de Lena, os demais participantes do debate lamentaram a proibição de circulação do kit. Eles afirmaram que a forma como o debate foi conduzido indica que há um conjunto de questões que precisa ser revisto na escola. A avaliação é de que a discussão sobre preconceito e violência decorrentes da intelorância deveria fazer parte da vida dos estudantes. “Não consideramos que o kit resolveria o problemas da homofobia, mas já seria um avanço”, pontua Lena.

Foram exibidos, durante o evento, três vídeos que fazem parte do kit, incluindo o maior alvo das críticas dos evangélicos e até da presidenta Dilma, por considerarem a presença de frases “inadequadas”. O vídeo “Probabilidades” aborda a história de um menino que se descobre bissexual e, aceitando sua condição, “faz contas” para concluir que, por gostar de homens e de mulheres, teria maior probabilidade de encontrar alguém.

Lena Franco afirma que o governo federal estuda a possibilidade de autorizar a publicação do conteúdo do kit nos sites das entidades que fizeram parte da equipe que elaborou o material. Porém, a ONG acredita que nada mudará quanto à proibição do kit. O motivo para tanto é o fato de o ministro Fernando Haddad apresentar-se como um dos postulantes a concorrer a prefeitura de São Paulo pelo PT. Na estratégia eleitoral do pré-candidato, um tema polêmico provavelmente seria evitado, segundo a ativista.

“Pedimos que o MEC fizesse também pelo menos seis mil cópias e distribuísse a educadores que realizam capacitações que o proprio ministerio oferece”, afirmou Lena. Não há definições a respeito. Ela ironizou o desfecho do caso, dizendo que o material atualmente é considerado “amaldiçoado”.

Papel da escola

A escola precisa repensar suas práticas teóricas cotidianas para proteger os direitos dos jovens e combater a homofobia, avalia a professora de psicologia social da Universidade de São Paulo (USP), Vera Paiva. Isso vai além da homossexualidade, mas envolve trabalhar a tolerância à diversidade sexual.

Vera Paiva ressaltou que a vulnerabilidade à qual os jovens estão expostos em casos em que a escola não cumpre seu papel no tratamento do assunto causa consequências severas. “A ausência da escola pode levar ao adoecimento no campo da saúde mental. Não é uma relação entre pais e filhos, mas é um sofrimento cuja origem é distinção feminino e masculino e sua orientação sexual.”

“Quando o filho ‘sai do armário’. quem entra são os pais”, afirmou a professora. Para ela, o sofrimento causado por esse tipo de situação precisa ser entendido em uma dimensão psicossocial, e não como um sofrimento biológico. Por isso abordagens adequadas no ambiente escolar tem importância ainda maior.