‘Margaridas somos todas nós’: 100 mil marcham em Brasília

Mulheres do campo e da floresta cobram respostas do poder público

Mulheres trabalhadoras participam da Marcha das Margaridas-2011, em Brasília (Foto: Tatiana Melim/CUT)

Brasília – “Melhor morrer de luta do que morrer de fome, Margarida, Margarida, esse é seu nome”, dizia uma das músicas que cantavam. E elas vieram em peso. Mais de 100 mil trabalhadoras do Norte ao Sul do país, do campo e da floresta, deixaram a Cidade da Margaridas, no Parque da Cidade, em Brasília, onde estavam acampadas, e colocaram o pé na estrada logo às 7 da manhã para compor a maior manifestação de mulheres da América Latina.

Antes mesmo disso, porém, já estavam de pé. Ansiosas, muitas já levantavam às 3h do chão de terra, forrado de lonas pretas, para arrumar as fileiras dos colchonetes e dos cobertores, onde dormiram.

Foi necessário muito espírito solidário e coletivo. Eram milhares e milhares de mulheres que se revezavam para tomar banho com água gelada que saia de canos rachados pela alta demanda por água. O chão, todo molhado e, na maior parte da noite, sujo de barro, fez com que essas mulheres tivessem que ajudar umas as outras para segurar toalhas e roupas.

Na hora de se alimentar, a fila para retirar a refeição era muito grande. Muitas mulheres precisaram aguardar cerca de duas horas para poder comer as porções de arroz, feijão e frango ou carne. Essencial para muitas,como Maria do Nascimento, de 58 anos, do Rio Grande do Norte, que passou 2 dias no ônibus para chegar à cidade das margaridas e não tinha dinheiro para gastar na capital federal. “Não foi fácil chegar aqui. Eu estou na marcha porque eu sou uma margarida também, pois sei que ela, a Margarida Alves, lutou muito por nós e eu quero continuar essa luta também” explicou.

Histórias de luta 

Maria Delfino e sua amiga Elisafrania sairam do Maranhão, onde lutam pelo pelo direito de acesso à terra. “Nós somos de um assentamento muito humilde e passamos muitas difilcudades. Então, estamos aqui para que a Dilma possa nos ajudar. É muito difícil para nós termos a terra para plantar, pois é muito caro. E mais difícil ainda é não ter estrutura para trabalhar, então vamos ver se a Dilma nos ajuda né”, desabafou Maria Delfino, enquanto seguia rumo à esplanada dos Ministérios.

Debaixo de um sol muito intenso, um trio elétrico animava a caminhada e lembravam ao Brasil a pauta da manifestação. Pontos como o combate à violência contra a mulher por meio da ampliação de recuros para o cumprimento da Lei Maria da Penha, a regulamentação da agricultura familiar como processo fundamental para o desenvolvimento sustentável e a isenção de impostos a toda a cadeia orgânica e agroecológica estiveram presentes no discurso. Além, claro, do eixo fundamental: a reforma agrária.

Herdeiras de Margarida 

A quilombola e agricultura Severina Luiza da Costa, 43, mais conhecida como Cida, carregava um crachá que despertava atenção. Na identificação de sua origem, o município de Alagoa Grande, na Paraíba, justamente onde Margarida Alves construiu sua trajetória como presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, local antes de ser assassinada, em 1983. Fato que inspirou a criação da Marcha.

Cida ocupa a função de vice-secretária da organização e, como muitas outras pessoas presentes, trouxe ao Distrito Federal uma questão prática: o desejo de cobrar do governo a titulação do quilombo, ação que aguarda há 11 anos. “Margarida foi uma mulher muito lutadora e nos ensinou a lutarmos por nossos direitos.”

Mas, nem só de mulheres é feita a mobilização. Prova disso era  Raimundo de Souza, 75, que demorou dois dias e meio para chegar. De fala simples, coisa de matuto, ele trazia um documento para entregar ao ministro da Reforma Agrária. Nele, cobrar o atestado de residência de um sítio. “Foi lá que eu apliquei em 150 hectares de terra e criei meus filhos. Tenho atestado de residência, luz e água, mas ainda não tenho terra.”

O sonho que eles sonharam 

A parte final da Marcha contou com o discurso de lideranças de movimentos sindicais, de organizações feministas e de parlamentares. Pessoas que direta ou indiretamente estão ao lado dos camponeses. Presidente da Contag (Confederação dos Trabalhadores na Agricultura), Alberto Broch destacou que a mobilização ia muito além da entrega da pauta de reivindicações ao governo. “Fica uma lição de cidadania e a visibilidade às mulheres do campo, que têm dupla, tripla jornadas e produzem a cultura que essa país tem e queremos que preserve. Oxalá essa luta chegue ao Congresso para que sejam aprovados medidas importantes como a PEC do Trabalho Escravo e a reforma política para que mais mulheres possam ter espaço.”

Muito emocionada, a atriz e militante Letícia Sabatella lembrou a origem da luta que as Margaridas, presentes nesta terça no Distrito Federal, empreenderam. “Se hoje estamos aqui para defender direitos mais humanos é porque nós somos hoje o sonho sonhado por tantas mulheres que tiveram seus gestos muitas vezes reprimidos, ceifados e assassinados, mas não tiveram seus sonhos cortados. Nós somos o sonho sonhado de muitas mulheres que vieram antes de nós.”

Secretária do Meio Ambiente da CUT e coordenadora geral da Marcha das Margaridas,  Carmen Foro, deixou bem claro qual o modelo de Brasil desejado pelas Margaridas. “Alguns perguntaram se eu achava que havia 100 mil mulheres em Brasília. Eu disse que não, que tinhamos milhões, porque essas que vieram trouxeram na ama o desejo de transformação de todas aquelas que não puderam vir. Todas que foram assassinadas, ressurgiram hoje, portanto, Margarida Alves vive entre nós para dizermos que queremos um país com desenvolvimento, mas que esse desenvolvimento seja social, econômico e também ambientalmentere responsável”, disse.

Já a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Rosane Silva, lembrou o processo de construção da atividade, nos 27 estados, com apoio das federações filiadas à Central em todo o país. Citou ainda a importância da ampliação da oferta de creches no campo e na cidade como forma de garantir a autonomia das mulheres, além da necessidade do processo de distribuição de renda incluir a ampliação de crédito e a oferta de assistência técnica às trabalhadoras rurais. Por fim, encerrou com uma frase da própria presidenta Dilma. “Nós, mulheres, podemos.”

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