Para líderes agrários, insegurança no campo é insustentável e falta ação do governo

Com condições favoráveis somente ao crescimento e fortalecimento dos latifúndios, trabalhadores denunciam a ausência do Estado nas políticas voltadas à proteção da vida e do trabalho dos camponeses

São Paulo – Inseguros com a situação vivida nas áreas rurais da região Norte do País, líderes camponeses consideram insustentáveis o medo e a falta de punição para os responsáveis pelos crimes cometidos no campo. Para eles, há sinais de forte rearticulação dos principais latifundiários, que se sentem mais à vontade para continuar com o que consideram ser uma ofensiva de crimes ambientais e contra a vida.

“Percebemos, e isso a cada dia mais, que os latifundiários continuam agindo de forma brutal contra os trabalhadores”, ressalta Francisco de Assis, coordenador da Federação dos Trabalhadores da Agricultura (Fetagri) do Pará. “Os mandantes e os apertadores de gatilho ainda estão na região agindo normalmente como se nada tivesse acontecido. E com isso, a conivência das autoridades tem contribuído para que nada se avance. E o Estado lá, calado”, indigna-se.

Para  Assis, situações como a aprovação do novo Código Florestal e as concessões de licenças ambientais a grandes obras fazem com que a situação no campo torne a vida do trabalhador arriscada. A insegurança provocada pela tentativa de denunciar abusos e crimes e a concorrência desigual da produção latifundiária com a produção familiar deterioram as condições de vida do trabalhador rural na região Amazônica.

Em pouco mais de uma semana, cinco agricultores foram assassinatos na região Norte, quatro no Pará e um em Rondônia. Os crimes agrários voltaram a ganhar repercussão na mídia nacional e internacional, porém, a violência no campo tem amarga história no Brasil. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre os anos de 1997 e 2010, 502 assassinatos ocasionados por conflitos agrários foram registrados.

Na visão de José Batista Afonso, advogado da CPT do Pará, os últimos assassinatos não podem ser considerados resultado de uma ação recente. Ele reitera que a violência sempre esteve presente na região de fronteira da expansão do agronegócio – especialmente nos estados do Pará, Rondônia, Tocantins e Mato Grosso. Assim, os conflitos agrários acompanharam a mesma ampliação.

“O que está acontecendo agora é que foram assassinadas lideranças muito conhecidas, por isso a grande repercussão. Mas eu não tenho dúvidas de que essas mudanças (propostas pelos textos do novo Código Florestal) fortalecem e muito o agronegócio. Eles se sentem mais à vontade para continuar com essa ofensiva em direção à Amazônia e isso vai causar ainda mais conflitos com as lideranças da região”, pontua o advogado da CPT do Pará.

“Essa sensação de a classe latifundiária ter saído vitoriosa do Congresso Nacional vai fazer com que continuem desmatando e cometendo outro tantos crimes na Amazônia com o aval do Estado”, critica Francisco de Assis.

Maria Joelma, lider agrária no município de Marabá e coordenadora da Fetagri na região, tem a mesma perspectiva em relação à insegurança no campo. Para ela, o governo faz o inverso do que seria uma política sustentável para a região. “O Estado deveria tirar os olhos do agronegócio e dar atenção à agricultura familiar. Não temos incentivo para a venda dos nossos produtos porque não temos como concorrer com o agronegócio. Nossa produção vem apresentando uma queda grande nos últimos meses.”

A mesma Maria Joelma já sofreu com a violência e a ação de pistoleiros. Seu marido, o líder camponês José Dutra da Costa, foi executado na porta de casa em novembro de 2000. “Sou viúva e convivo com a impunidade até hoje. Além de também ter recebido ameaça e nunca ter tido proteção policial”, revela.

Para Francisco de Assis, no Brasil, hoje, tomar à frente a defesa do meio ambiente e da agricultura familiar pode ter como resposta o fim da própria vida.  “Eu não posso dizer que amanhã não seja eu o próximo a receber ameaças, porque dando informação e denunciando, a gente também corre risco. Aqui, a lei do silêncio é a única que vale”, alerta.

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