Agricultor morto no Pará não constava de lista de ameaçados no campo

Ministério da Justiça considera possibilidade de crime ter sido comum

São Paulo – O assassinato de Obede Loyla Souza, trabalhador rural de de 31 anos, na semana passada no Pará, pode não ter tido motivações políticas. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), seu nome não consta na lista de pessoas ameaçadas organizada pela entidade, e Obede não era extrativista nem líder ambientalista. O Ministério da Justiça passou, por isso, a cogitar a possibilidade de a quarta morte de agricultores no Pará em um mês – sexta, se considerada a região amazônica – seja um crime comum, resultado de um bate-boca.

A Polícia Civil do Pará diz estar “trabalhando com todas as hipóteses”. Obede tinha antecedente criminal, o que deve ser levado em conta na investigação, embora não tenha vínculos com o assassinato. A Força Nacional não está no local, porque o governo do Pará não solicitou a extensão da atuação do agrupamento a Pacajá, onde Obede foi morto. Por causa dos homicídios anteriores, a Força está em três municípios paraenses, Santarém, Marabá e Altamira.

“Como toda a população local, Obede e a esposa tinham seu roçado”, informou o agente da equipe da CPT de Tucuruí (PA), Hilário Lopes Costa, a jornalistas. “Mas ele não era extrativista nem liderança. Muito menos ativista ambiental”, esclareceu. Ele não havia sido ameaçado de morte, segundo o engenheiro agrônomo, que integra a coordenação da CPT no Pará.

A comissão mantém uma lista de líderes rurais que correm perigo por seu engajamento em questões agrárias e ambientais. De 2000 a 2010,  1.855 pessoas em todo o país foram ameaçadas pelo menos uma vez. No período, foram assassinadas 401 pessoas em todo o país. No ano passado, foram 125 ameaças.

De acordo com Costa, a esposa do trabalhador, Éllen Cristina de Oliveira Silva, de 29 anos, omitiu informações durante o depoimento que fez à Polícia Civil de Tucuruí. “Ela disse que Obede havia discutido com um vizinho do Acampamento Esperança por causa da demarcação do lote. Mas, por causa do nervosismo, acabou esquecendo de falar que os dois já tinham chegado a um acordo”, informou Hilário. Ela não informou também, segundo o agente da CPT, sobre uma discussão que o marido teve com caminhoneiros que transportavam madeira ilegal na estrada que dá acesso ao acampamento.

“Não se tratou de uma discussão relacionada à madeira ilegal que estava sendo transportada, mas aos danos que esses caminhões estavam causando à estrada de chão batido. Por transportarem até 20 toras de árvore de uma vez só, esses caminhões ficam muito pesados e acabam tornando a estrada intransitável. Como sempre chove na região, o estrago fica ainda maior”, disse Hilário.

O fato de a esposa ter deixado de prestar as informações aos agentes de segurança foi justificado por Costa por causa do temor de represálias por parte do grupo de madereiros de Tucuruí. Segundo ele, os madereiros têm “a conivência da Polícia Militar local”.

Em relação à versão apresentada inicialmente, de que o crime poderia ter motivações políticas ou de perseguição a líderes rurais e ambientalistas, Costa sugeriu, em entrevista ao Terra Magazine, que é preciso considerar o contexto do crime. “A vida dos trabalhadores neste País não vale nada para este modelo de desenvolvimento, esse sistema. Não vale nada também para esses governos, mesmo que digam que querem desenvolver políticas sociais que ajudem a acabar com a pobreza, que inclua os que estão no nível abaixo da pobreza”, lamenta.

Críticas

Também ao Terra Magazine, Costa fez críticas ao governo do Pará, incluindo tanto o governador Simão Jatene (PSDB) como sua antecessora, Ana Julia Carepa (PT). “A postura dos governos é sempre de não revelar os fatos. Mesmo porque isso acaba fazendo com que o estado fique, para o cenário nacional e internacional, como um estado sem Justiça. Isso leva a camuflar a verdade, os fatos, a desviar o ponto de referência.”

Ele acusou ainda a Justiça de agir com rigor na apuração apenas de crimes que têm visibilidade nacional, como foi o caso da morte da missionária norte-americana Dorothy Stang, em fevereiro de 2005. “Agora, quando é para criminalizar os movimentos, as pessoas que lutam pelos mais pobres, aí, a Justiça não mede esforços”, atacou. “Essas pessoas são exemplarmente criminalizadas e punidas, quando não são assassinadas.”