Abertura de arquivos secretos vai ocorrer, agora ou mais tarde

Ministério Público e representantes da sociedade avaliam que caso o Senado mantenha renovação indefinida de sigilo de documentos, Supremo derrubará a medida

São Paulo – O governo federal e o Congresso Nacional devem optar se querem a abertura dos arquivos secretos agora ou mais tarde. A avaliação de militantes e de autoridades é de que trazer esses papéis a conhecimento público é uma questão de tempo.

Ainda que o Senado leve adiante a intenção de deixar de lado o projeto que acaba com o sigilo eterno dos documentos classificados como ultrassecretos, preferindo a versão do texto que favorece a renovação por prazo indeterminado, o Supremo Tribunal Federal (STF) tornará inútil o esforço feito por alguns parlamentares, entre eles os ex-presidentes da República José Sarney (PMDB-AP) e Fernando Collor de Mello (PTB-AL). 

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, promete ingressar com nova ação direta de inconstitucionalidade contra esta proteção aos documentos caso se leve adiante a iniciativa. Para Gurgel, fere-se o direito à informação, assegurado pelo artigo 5º da Constituição. 

Carlos de Almeida Prado Bacellar, coordenador do Arquivo Público do Estado de São Paulo, demonstra preocupação com a possibilidade de que se mantenha o quadro atual. “O sigilo eterno é um problema. Alguém declara que um documento qualquer merece esse status, e os cidadãos não sabemos se merecem ou não. Não é um ato transparente, é um ato de fechamento. O que há de tão comprometedor? Quão grave? É grave para quem?”

Aprovado no ano passado pela Câmara, o Projeto de Lei 41, de 2010, visa a dar fim a decretos que estenderam o prazo de abertura dos arquivos públicos. Além de não restringir renovações dos documentos ultrassecretos, a norma atual dá prazo de 30 anos para que venham à luz os arquivos classificados como secretos, 20 anos os confidenciais e dez anos os reservados.

“Qualquer retrocesso em restituir prazos longos de sigilo, ou sigilo eterno de um modo arbitrário e injustificado vai totalmente contra o que estamos construindo na sociedade brasileira”, protestou Marlon Weichert, procurador regional da República em São Paulo. Ele acredita que muitas autoridades se valeram do atual sistema de classificação para proteger determinadas versões da história, evitando que a sociedade tomasse conhecimento dos fatos em sua totalidade. 

Durante evento que marcou a repatriação dos arquivos do projeto “Brasil Nunca Mais”, Weichert evitou fazer especulações sobre interesses pessoais que Sarney e Collor possam nutrir no caso, preferindo uma análise geral do assunto. “Não podemos confundir interesses da sociedade com interesses do Estado ou de algum governantes.”

Pressionada por parte de sua base no Legislativo, a presidenta Dilma Rousseff recuou na determinação de que tramite em caráter de urgência o projeto. A ordem foi repassada pela nova ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, ao líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), mas o líder do PT, Humberto Costa (PE), avisou que prefere manter o texto que veio da Câmara.

A decisão da presidenta foi lamentada por aqueles que lutam pelo resgate da memória histórica, e celebrada por Sarney, que atualmente preside o Senado. O parlamentar disse ver risco de um Wikileaks nacional ao se revelarem arquivos, por exemplo, sobre a Guerra do Paraguai e as atividades do Barão de Rio Branco, considerado o pai da diplomacia brasileira.

“A expressão ‘Wikileaks’ é uma bobagem, no sentido de que não há qualquer vazamento irregular (no caso do projeto em discussão)”, rebateu Paulo Vannuchi, ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência. “Não podemos manter o equívoco de que a luz e a informação possam atrapalhar a democracia.”

Arquivos da Ditadura

Amelinha Telles, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, promete ir ainda esta semana a Brasília cobrar uma postura que considera mais condizente com o passado de Dilma, que lutou contra a repressão, e ironiza as posturas de Collor e de Sarney. “São dois ex-presidentes que não têm uma história muito bonita. Um sofreu o impeachment. Que moral tem para pedir que não se abram os arquivos? E o outro foi um dos que fizeram atos secretos lá no Senado. E não faz muito tempo.”

O debate sobre o sigilo dos documentos é especialmente relevante para os arquivos da Ditadura Militar, defendem militantes. O fato de que uma cópia completa dos arquivos do Superior Tribunal Militar esteja sendo trazida de volta ao país ressalta essa necessidade, porque o material inclui os casos ocorridos de 1964 a 1979, e contam apenas parte da história da repressão.

Para que a verdade como um todo venha à tona, será preciso aprofundar a abertura dos arquivos castrenses. “Precisamos discutir como esses arquivos se tornam acessíveis para processos pedagógicos, para que haja a construção do ‘Nunca Mais’ em escolas, e também na formação de agentes de segurança”, pontuou Marcelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo.

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