‘Aceitar ainda é difícil, mas respeito é fundamental’, diz Toni Reis

Presidente da ABGLT, considera que decisão do STF a favor da união homoafetiva estável ajuda a destravar preconceitos

Toni Reis e Marta Suplicy, durante ato contra homofobia em SP (Foto: ©Elisabete alves/Marta Senadora/Flickr)

Curitiba – O Executivo evoluiu. O Judiciário evoluiu. O Congresso resiste a ampliar o debate sobre a igualdade no Brasil. Na segunda parte da entrevista à Rede Brasil Atual, o presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Toni Reis, avalia que essa resistência segue existindo, mas tem diminuído, e há espaço para uma discussão séria no Legislativo.

“Nós até brincamos que temos bons generais lá para essa nossa guerra contra a homofobia, contra o preconceito e a incitação à violência”, afirma, em referência a parlamentares como Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Marta Suplicy (PT-SP).

Reis avalia que existe é fundamental aprovar o Projeto de Lei 116, de 2002, que classifica como crime a discriminação a homossexuais. Ao mesmo tempo, indica que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de autorizar a união estável entre pessoas do mesmo sexo se inscreveu como um passo importante no combate ao preconceito. “Quem estava em dúvida quanto aos nossos direitos poderá ‘sair do armário'”, diz, a partir da conclusão (por incrível que pareça, óbvia) da Suprema Corte do país, de que todos são iguais perante a lei.”

Confiraaqui a primeira parte da entrevista: Parada LGBT é o momento de dar visibilidade à luta

Confira a seguir a continuidade da conversa com o ativista, realizada em Curitiba.

RBA – Antes do julgamento (do STF) havia uma expectativa de que aquela avaliação fosse um marco na luta (do reconhecimento dos direitos civis de homossexuais e contra todos os preconceitos). Passadas algumas semanas, você acha que a gente já pode enxergar dessa maneira?

Já diminuiu quem se manifeste contra nós, a não ser os radicais, que vão continuar, e é muito normal para uma democracia. No entanto, os radicais já estão diminuindo a crítica à nossa comunidade, e isso é importante porque os votos no STF foram bastante profundos e com muita lógica, principalmente na lei baseada na igualdade, na dignidade humana, na segurança jurídica, na liberdade e no livre arbítrio. Para a gente foi muito importante e já está se percebendo no meio acadêmico uma outra postura. Quem estava em dúvida quanto aos nossos direitos poderá sair do armário porque a Suprema Corte do país falou que nós somos iguais perante a lei.

Foi uma coisa que lavou a nossa alma e nossa cidadania, nós estamos muito mais brasileiros, cientes de que a gente tem de confiar na justiça. Foi um passo histórico, foi emblemático, a maior vitória para a nossa comunidade no Brasil, sem sombra de dúvida, mas nós vamos ter que trabalhar muito.

RBA – Apesar do grande avanço, no Congresso parece haver uma resistência maior, e é por ali que terão de passar algumas propostas. Como destravar essa resistência?

Primeiro eu vejo que o nosso Executivo evoluiu. A nossa presidenta Dilma, no último 8 de maio, convocou a segunda conferência LGBT, que vai ser realizada em Brasília no mês de setembro. Isso é importante, teremos um plano nacional organizando essas ações. A violência precisa ser colocada e temos de confrontá-la, expor os radicais e ganhar deles no voto. Não vai haver unanimidade. Nosso Legislativo está muito atrasado e costuma tratar essas questões com entendimento limitado. Mas a partir da decisão do STF há uma estrutura a nosso favor.

RBA – As chegadas de Jean Wyllys à Câmara e da Marta Suplicy ao Senado ajudam. 

Nós já tínhamos pessoas que nos defendiam muito bem. Mas é importante ter uma pessoa como o Jean Wyllys, que é muito popular e é o nosso principal líder. A Marta também, porque é uma pessoa que entende de sexualidade, entende de psicologia e tem uma experiência política e segurança muito grandes. Nós até brincamos que temos bons generais lá para essa nossa guerra contra a homofobia, contra o preconceito e a incitação à violência.

RBA – Para vocês, o que representaria como próximo passo oficializar o casamento entre pessoas do mesmo sexo?

A Constituição é clara, as uniões estáveis devem ser transformadas em casamento. Eu e meu companheiro, que já vivemos há 21 anos juntos, já estamos com nossos advogados constituídos para transformar nossa união, logo após a decisão, em casamento. Já temos garantido o casamento a partir da decisão do STF. Com certeza os juízes da primeira e segunda instância aprovarão casamentos.

RBA – Há muito oportunismo na discussão do kit contra a homofobia?

O preconceito acontece em situações dentro e fora do contexto. As pessoas não conhecem o material. Quando viram um vídeo, distorceram as informações. Claro que pessoas querem aparecer, mas nós trabalhamos de uma forma muito tranquila e já temos a maioria de apoio. As pesquisas colocam de uma forma bem clara: 40% dos meninos têm dificuldade de lidar com questões de um gay ou uma lésbica dentro de sala de aula, e isso causa o problema de evasão escolar na nossa comunidade. Então é necessário trabalhar isso nas escolas, esse material é uma resposta à essa violência.

Com relação aos opositores a gente percebe que há um oportunismo, um exagero, distorções e mentiras. O material é para escolas de segundo grau, ninguém vai sair distribuindo. Vai ser para profissionais de educação, depois de passarem por capacitação com governos e secretarias estaduais. Quer dizer, vamos treinar os profissionais de educação para utilizar os materiais, que não têm absolutamente nada de imoral, ou pornográfico, ou o que o valha. 

RBA – Você acha que homofobia e machismo são mais tolerados do que o racismo pela sociedade?

Eu vejo que são sim, mas é tudo ‘uma família’, machismo e homofobia. Geralmente uma pessoa que é machista tem uma grande tendência a ser homofóbica e racista. A gente precisa combater esse tipo de questão em todos os níveis.

Sempre coloco que o respeito é fundamental. Aceitação é mais difícil, mas o respeito é fundamental. Temos de trabalhar isso no nível da educação, com as crianças, os adolescentes. A partir do momento que uma pessoa nasce, ela é um ser humano e precisa ser respeitada. Geralmente, com todos os políticos com quem a gente tem conversado, quando ele é machista, também é racista e homofóbico.

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