Massacre de Corumbiara: jura de morte separa pai e filho há 10 anos

Adelino Ramos considera que o filho Claudemir, perseguido desde que sobreviveu à execução de Corumbiara, teria sido morto se permanecesse em Rondônia

São Paulo – Adelino Ramos, camponês da região amazônica, não vê o filho há dez anos. Aos 56, tampouco tem ideia de quando poderá encontrá-lo. Os dois não brigaram: o que os separa é o fato de Claudemir Gilberto Ramos ter a cabeça a prêmio em Rondônia.

“Se ele não sai do estado de Rondônia, está morto na mão da própria polícia, pelo próprio estado de Rondônia. A prática do Brasil é essa”, resume Adelino, integrante do Movimento Camponês de Corumbiara que atualmente vive em um assentamento florestal no Amazonas.

Após o massacre de Corumbiara, em 1995, que resultou na morte de onze trabalhadores rurais e de uma criança, Claudemir leva uma vida de peregrinação. Tido pelos fazendeiros locais como líder do movimento sem-terra da região, sua vida vale R$ 50 mil.

Com base em investigação feita pela Polícia Militar, diretamente envolvida nas mortes, Claudemir foi condenado a oito anos e seis meses de prisão. Na primeira entrevista concedida desde a época do massacre, Claudemir contou que policiais tentaram matá-lo em todos os hospitais pelos quais passou antes de fugir.

Entre os mandantes do crime, não houve condenação. Além de Claudemir, outro sem-terra foi julgado culpado. Pela parte dos policiais, foram sentenciados o capitão Vitório Regis Mena Mendes e os soldados Daniel da Silva Furtado e Airton Ramos de Morais, mas todos ganharam o direito a um novo julgamento.

Depoimentos de policiais indicavam que o fazendeiro Antenor Duarte, líder dos proprietários de terras da região, havia dado dinheiro e carros para os envolvidos no massacre de trabalhadores, que teve ainda sessões de tortura.

Após o episódio, a família de Claudemir se desmanchou. A mãe mudou-se, e ele acabou se separando da esposa, com a qual tem duas filhas, as quais não vê há muito tempo, e o pai Adelino deixou a cidade na qual ocorreu a tragédia.

Adelino chegou a ser processado junto com o filho por ter, na visão da Polícia Militar e da Polícia Civil, induzido mais de duas mil pessoas a promoverem a ocupação na Fazenda Santa Elina, em julho de 1995. Adelino presidia no sindicato rural na época e havia sido filiado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), motivos que levaram a ser indicado como corresponsável pela ocupação.

A versão dele é diferente: “Essa ocupação onde aconteceu o massacre foi uma questão de revolta do povo da região. Foi uma fazenda em que a própria igreja teve gente torturada pelos pistoleiros antes da ocupação”, ressalta, acrescentando que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de Rondônia conduz de maneira muito lenta a distribuição de terras. “Essa ocupação foi uma questão quase natural. Descobriram que tinha 40 lotes demarcados pelo Incra e o Incra de Rondônia não tomou posição até hoje.”

Ele e Claudemir foram tidos pelo Ministério Público Estadual como responsáveis por impedir que os trabalhadores deixassem o local durante a repressão promovida por policiais e pistoleiros na madrugada de 9 de agosto daquele ano. Desde 2004, quando se esgotaram os recursos, Claudemir considera-se um “foragido da injustiça”.

“A prática da Justiça brasileira, antes de fazer o papel dela, de prender os bandidos, traficantes, ladrão, invasores e não deixar o crime tomar conta do Brasil, quando um trabalhador não tem onde cair eles aplicam tudo quanto é lei”, lamenta Adelino, que se soma ao pedido do filho e do Comitê Nacional de Solidariedade ao Movimento Camponês de Corumbiara de que se conduza uma nova investigação que, por sua vez, leve a um novo julgamento. 

“Fizemos vários manifestos, várias discussões, já sentamos com o presidente do tribunal daqui, já pedimos que o Brasil tomasse vergonha, que tivesse uma revisão desse processo. Comandante desse massacre tá atuando na polícia ainda e não foi condenado. Fazendeiro que comandou não foi nem citado no processo.”

Com apoio internacional

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) concluiu em 2004 que o Brasil deveria refazer a apuração sobre o caso, uma vez que a Polícia Militar, diretamente envolvida nos fatos, não goza de suficiente isenção para realizar os trabalhos de inquérito. O caso só não foi remetido à Corte Interamericana porque o massacre ocorreu em 1995, três anos antes da entrada do Brasil no Sistema Interamericano de Justiça.

Sem ter como dar sequência, a CIDH, que integra a Organização dos Estados Americanos (OEA), recomendou que fosse feita uma investigação “completa e imparcial”, dando conta da participação de cada um dos agentes nos episódios de Corumbiara.

O histórico do caso conta a favor dos líderes que pedem um novo julgamento. Em julho de 1995, durante o processo de ocupação, os trabalhadores sem-terra mostraram-se abertos à negociação, fato demonstrado pelo relatório da CIDH.

Mas o clima de vitória foi quebrado quando, desrespeitando a legislação brasileira, policiais militares invadiram o local a balas. Começou uma troca de tiros que foi encerrada na manhã seguinte, quando os agentes de segurança imobilizaram os integrantes do movimento.

Foi então que começou uma série de sessões de tortura e de execuções de pessoas, segundo relatos. Uma das vítimas foi uma menina de sete anos que teria se recusado a pisar sobre os adultos deitados no chão, uma das ações voltadas à humilhação. Outras práticas incluíram comer terra suja de sangue, expor mulheres nuas e provocar ferimentos pela baioneta das armas.

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