Controle de venda de armas é mais efetivo que plebiscito, diz pesquisador

Renato Alves, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, avalia que convocar consultas populares a cada fato que comova a opinião pública banaliza o instrumento de democracia participativa

Governistas têm se posicionado a favor da nova consulta sobre porte de armas, enquanto deputados do DEM alegam que referendo de 2005 já contemplou questão (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil – arquivo)

São Paulo – Mais importante que a discussão sobre um plebiscito a respeito do porte de armas seria o efetivo cumprimento dos mecanismos de fiscalização e controle desses equipamentos. Renato Alves, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), avalia que é preciso melhorar a articulação entre os governos federal, estaduais e municipais neste campo.

Uma série de iniciativas vêm sendo discutidas desde 7 de abril, quando ocorreu o massacre de 12 crianças em uma escola municipal do Realengo, no Rio de Janeiro. Os revólveres utilizados pelo atirador, de 24 anos, foram comprados ilegalmente de vizinhos por R$ 250. Uma das decisões imediatas do Ministério da Justiça é reativar a campanha de desarmamento.

“Não adianta proibir se não controla todo esse mercado que está aí, que está escancarado, que é o mercado ilegal de armas. Como as armas chegam? É roubo, é furto, é contrabando. Isso implica em controle de fronteiras, controle das fábricas de armas”, comenta o pesquisador, que ressalta a necessidade de se cumprir o que está previsto na legislação brasileira.

Alves pensa que convocar um plebiscito num momento de comoção seria banalizar o instrumento de consulta do povo. “Imagine que daqui a pouco ocorre outro fato que leva a um novo plebiscito sobre o mesmo tema. A lei, para ter efetividade, tem de ter certa estabilidade. Não se pode ficar mudando a lei ao sabor dos acontecimentos.”

Sancionada em dezembro de 2003, a Lei 10.826, mais conhecida como Estatuto do Desarmamento, prevê uma série de iniciativas para limitar a venda de armas. Um potencial comprador teria de explicar por que quer um equipamento do tipo, apresentar documentos e passar por um exame de avaliação psicológica. Depois disso, essa pessoa só deveria poder adquirir munição correspondente à arma que tem cadastrada. 

Na prática, ocorre um controle bem menos rígido. A Associação Viva Rio estima que, das 16 milhões de armas existentes no Brasil, 14,5 milhões estejam em posse de civis. Em artigo para o site de Carta Capital, Melina Riso, diretora do Instituto Sou da Paz, lembra que ao menos 17 mil armas foram extraviadas desde 2003. São instrumentos de empresas de segurança privada ou de arsenais de estados e fóruns.

Melina rebate a ideia de que as armas usadas em homicídios seja fruto do contrabando de armas  para o país. “Ao contrário do que supõe o imaginário sobre violência armada, a maior parte das armas que vitimam 96 brasileiros por dia são brasileiras. Por essas razões é crucial não só que se reduza o número de armas em circulação, mas também que se controle rigorosamente a indústria e o mercado legal de armas no país.”

Plebiscito

O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), defende que se convoque para outubro um plebiscito sobre a proibição da venda de armas no país. Diferentemente do referendo de 2005 sobre o tema, a consulta popular não teria validade imediata, sendo necessário que o Congresso legislasse em torno da decisão tomada pela sociedade.  “Acho que qualquer iniciativa no sentido de promover, de criar uma consciência nacional contra o desarmamento, é muito bem vinda”, declarou o parlamentar, que ganhou o apoio de ministros do governo Dilma Rousseff. 

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski, declarou nesta quarta-feira (13) que não vê problemas em que se convoque um novo plebiscito. “Acredito que o episódio do Realengo pode ter gerado fatos novos que não foram cogitados e que permitem, em tese, que a população seja novamente convocada para se manifestar sobre o tema”, pontuou o ministro, que indicou que já está estudando as medidas relativas à organização do plebiscito.

Repetição ou inovação?

Assim que Sarney anunciou sua intenção, parlamentares do DEM  lembraram que houve um referendo em 2005 no qual a população optou por manter a venda de armas no Brasil. Na ocasião, o “não” obteve 63,94% dos votos válidos, contra 36,06% que se manifestaram a favor da proibição.

A campanha da Frente Parlamentar pelo Direito da Legítima Defesa, contrária às restrições, foi ancorada em torno do direito individual, reforçando a ideia de que o Estado não teria o direito de interferir naquilo que uma pessoa faz dentro de sua casa. “A segurança pública não funciona como deveria. O cidadão se protege como pode”, dizia o programa político da frente.

“É um argumento muito contraditório. É um discurso contra o Estado, que não significa cada um se defender por si. O Estado pressupõe abrir mão da violência individual. Isso significa privatizar a violência e pulverizá-la entre as pessoas, o que é bastante perigoso”, lembra Alves.

A discussão de 2005 também foi influenciada pelo momento político do país, já que começavam as denúncias a respeito do mensalão, ponto complicado em termos de aprovação para o governo Lula, que havia se manifestado a favor do fim da comercialização de armamentos.

Para Maria do Rosário, titular da Secretaria de Direitos Humanos, não necessariamente o resultado será igual. “A sociedade vai amadurecendo a cada ano”, resume a ministra, que lembra que há enorme facilidade em comprar armamentos atualmente.

Com informações da Agência Brasil

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