Para organização, apuração sobre ditadura avançou pouco em três décadas

Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro cobra de governo Dilma ações efetivas e lembra que falta esclarecer episódios em que “a extrema direita apelou”

São Paulo – Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, a historiadora Cecília Coimbra espera que se promova uma abertura de todos os arquivos sobre a ditadura militar e cobra uma Comissão da Verdade com efetivo poder de apuração.

Esta semana, a lembrança dos 30 anos do atentado organizado por militares no Riocentro, no Rio de Janeiro, fez levantar novas cobranças sobre a necessidade de promover uma investigação a respeito deste e de outros episódios do regime de exceção.

No dia 30 de abril de 1981, um militar morreu com a explosão da bomba que ele deveria utilizar contra civis em um ato que lembrava o Dia do Trabalho. A intenção era atribuir as mortes à ação de grupos armados de esquerda. 

Calcula-se que mais de cem explosões ocorreram entre 1980 e 1981, sempre na tentativa de mostrar que havia comandos perigosos que poderiam tomar o poder ou colocar em risco a sociedade com o fim do regime. 

Para Cecília Coimbra, atos de uma extrema direita desesperada que “apelou para a ignorância”. Em entrevista à Rede Brasil Atual, ela lembra o Brasil “exportou” técnicas de tortura e desaparecimento para as ditaduras que foram surgindo no Cone Sul, e hoje é o país mais atrasado em termos de transição definitiva para a democracia.

Confira a seguir trechos da conversa. 

Como a senhora vê essa dificuldade de levar adiante uma investigação efetiva dos atentados nesse período?

A questão do Riocentro e de outros atentados de autoria da extrema direita já no fim da linha da ditadura tem muito a ver com o que está acontecendo ainda hoje, uma parcela de militares, saudosistas da ditadura e conservadores, que foram retirados um pouco do centro do poder e até hoje reclamam. 

Mesmo com governos ditos populares, como FHC, Lula e agora Dilma, não conseguimos uma abertura ampla, geral e irrestrita dos arquivos da ditadura. Ou seja, ficamos sem esclarecer fatos como o do Riocentro, e também há outros casos em que a extrema direita desesperada apelou para a ignorância.

É importante lembrar que esse não esclarecimento do atentado do Riocentro e de todos os outros crimes ocorridos na ditadura têm a ver com a transição feita nesse país, a dita transição para a democracia.

O Brasil, nos anos 1970, exportou seu know how de tortura para as recentes ditaduras latino-americanas, Argentina, Uruguai, Chile. Interrogadores foram enviados para esses países onde o golpe ocorreu. Nós exportamos o pau de arara, a figura do desaparecido político e hoje, no ano de 2011, em pleno século XXI, o Brasil é o país mais atrasado nesse processo de reparação. 

Como você tem visto esses primeiros meses do governo Dilma Rousseff em relação a essa dívida?

As declarações da Secretária Especial dos Direitos Humanos, a ministra Maria do Rosário, são muito interessantes, mas está apenas no discurso, em termos de atos não vimos nada ainda. O trabalho da gente é continuar pressionando. É bom que se diga que o Tortura Nunca Mais é um grupo que tem 26 anos de existência. Ao surgir, logo após o fim da ditadura, tinha como foco cobrar efetivamente os crimes cometidos naqueles períodos, que continuavam sem nenhum tipo de esclarecimento, sem nenhum tipo de responsabilização. E nesses 26 anos pouco se avançou, infelizmente.

Como a Comissão da Verdade pode se relacionar com esses episódios como o Riocentro?

A Comissão da Verdade tem de ser efetivamente uma comissão de verdade, porque não é bem isso que está acontecendo. A proposta que está no Congresso não é bem a que a gente queria. Em dezembro de 2009, houve um anúncio sobre o 3º Plano Nacional dos Direitos Humanos. Naquele mês, Nelson Jobim e os comandantes das Forças Armadas fizeram uma declaração pressionando o Lula, dizendo que era um plano subversivo, era um plano nacional que tentava ocupar uma série de setores que o Estado não tinha poder para isso e aí colocava a questão da terra, das comunicações, das mulheres.

E aí mudou bastante coisa.

No ano seguinte fizeram uma segunda versão sobre esse plano, uma versão totalmente capenga, paralítica, retirando o que tinha de mais avançado no plano e com essa questão da Comissão da Verdade. O que se apresentou ali é uma coisa pífia. 

É fundamental esclarecer também o atentado no Riocentro, ele se inscreve em investigação, esclarecimento e responsabilização, para que a essa nossa história possa ser contada, e isso compete sim a uma comissão nacional da verdade, mas não essa daí, mas que a gente vai propor que funcione efetivamente, a que era da primeira versão. 

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