Para entidades, caso Riocentro mostra importância de criar Comissão da Verdade

Organizações defendem apuração da tentativa de atentado contra civis por militares. Tortura Nunca Mais considera que é preciso assegurar transição definitiva à democracia

São Paulo – A Comissão da Verdade será um instrumento importante para os cidadãos brasileiros no sentido de apurar e debater os fatos obscuros ocorridos durante a ditadura militar, como o atentado do Riocentro, que esta semana completa 30 anos. Em 30 de abril de 1981, enquanto um show de música ocorria no palco daquele centro de exposições – parte de comemorações do 1º de Maio –, um soldado morreu na explosão de uma bomba que seria utilizada contra civis, para tentar “fabricar” um atentado de grupos armados de esquerda.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro consideram que o Brasil ainda não realizou sua transição completa para a democracia, carecendo de instrumentos para esclarecer aquilo que de fato ocorreu entre 1964 e 1985. As duas entidades sustentam que gostariam de ver uma efetiva apuração do episódio.

“O Brasil, neste aspecto, está muito atrás politicamente e moralmente de alguns países da América Latina que estão enfrentando as mazelas da sua época de ditadura com altivez”, avalia o presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous. “Mas isso se deve à forma como a transição para a democracia se deu no Brasil”, pondera. Ele considera que a abertura democrática iniciada em 1979 foi fruto de um “pacto entre as elites”. “Certamente isso não satisfaz a quem quer o aprofundamento da democracia”, lamenta.

A presidenta Dilma Rousseff manifestou apoio à criação da Comissão da Verdade, grupo que terá a incumbência de apurar os crimes cometidos durante a ditadura. O projeto de lei que está na fila do Congresso Nacional é fruto de mobilização da sociedade e foi incluído pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência na terceira edição do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), lançada em 2009.

Cecília Coimbra, presidenta do Grupo Tortura Nunca Mais fluminense, lamenta as alterações promovidas no intuito da Comissão da Verdade no ano passado. Naquele momento, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os comandantes das Forças Armadas exigiram garantias de que as investigações não levariam a punições. Para a pesquisadora da área de direitos humanos, uma demonstração da necessidade de se promover uma caminhada efetiva em direção à democratização. “Mesmo com governos ditos populares, como FHC (Fernando Henrique Cardoso), Lula e agora Dilma, até hoje não conseguimos uma abertura ampla geral e irrestrita dos arquivos da ditadura”, exemplifica. 

A validade da Lei de Anistia

Uma das discussões em torno do caso do Riocentro diz respeito à Lei de Anistia. A explosão ocorreu dois anos após a aprovação pelo Congresso Nacional, ainda sob regime de exceção, da lei que, em tese, extinguiu juridicamente os crimes cometidos durante o regime militar. Setores das Forças Armadas entendem que o atentado de 1981 está amparado por essa determinação, apesar de a lei ser expressa quanto à possibilidade de anistiar as violações ocorridas entre 1961 e 1979.

Para a OAB, acabar com as dúvidas passa por uma discussão definitiva a respeito da validade da anistia. Em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou ação proposta pela entidade para que fossem considerados descobertos pela lei os torturadores. “Achamos que decisão adotada pela maioria do STF vai no sentido contrario às aspirações da sociedade brasileira”, defende Damous, que gostaria de ver um novo debate em torno do tema. 

Em dezembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil pelos crimes ocorridos com a repressão contra a Guerrilha do Araguaia.

O juiz convidado para o caso, Roberto de Figueiredo Caldas, entendeu que o Brasil usou a Lei de Anistia como um empecilho à investigação e ao julgamento dos crimes e afirmou  que os dispositivos da lei são incompatíveis com a Convenção Americana, “carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos”.

O promotor Otávio Bravo, do Ministério Público Militar, entende que a decisão da Corte e a imprescritibilidade de crimes como ocultação de cadáver são fundamentos que asseguram uma apuração efetiva. “Acho importante também descobrir a verdade para saber se os crimes estão prescritos ou anistiados. É um absurdo ter falado em anistia ou prescrição quando não se sabe o que aconteceu.” 

Já o senador Aloysio Nunes (PSDB/SP), em recente entrevista à Rede TV!, afirmou ser contrário à revisão da Lei de Anistia. Para ele, a transição da ditadura para a democracia foi um fato histórico, e a lei entrou como uma pré-condição para que isso fosse alcançado.  “Eu não vou querer ir atrás para punir quem assassinou. Acho apenas que os brasileiros e as familias têm todo o direito de saber o que aconteceu”, pontuou o senador.

Colaborou João Peres

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