Aos 15 anos, massacre de Carajás segue símbolo de lentidão da Justiça

Movimentos de luta por reforma agrária lembram que as 19 mortes de trabalhadores em 17 de abril de 1996 ainda aguarda por punição de policiais

Seis mil pessoas vivem atualmente no Assentamento 17 de Abril, no Pará (Foto: Marcello Casal Jr. Agência Brasil)

São Paulo – 15 anos depois das 19 mortes de  trabalhadores rurais, o massacre de Eldorado dos Carajás segue como símbolo de lentidão do Judiciário e de falta de independência de magistrados em relação a poderes locais.

Enquanto celebram a memória das vítimas de policiais militares no sul do Pará, movimentos que lutam pela reforma agrária lembram que não há ninguém cumprindo pena pelo episódio. “Isso é um atestado de incompetência e de inoperância da Justiça brasileira”, lamenta José Batista Afonso, advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) que acompanhou os julgamentos ocorridos em 2000 e 2002.

O primeiro julgamento, conduzido pelo juiz Ronaldo Vale, foi anulado pelo Tribunal de Justiça paraense, que reconheceu haver clara tendência do magistrado em absolver os policiais. No segundo, houve dificuldade para encontrar juízes dispostos a se envolver na questão. A juíza que por fim aceitou comandar o júri determinou a retirada dos autos de um laudo pericial fundamental para a comprovação dos crimes, o que resultou em novo adiamento.

Em 2002 os comandantes da operação, o coronel Mário Colares Pantoja e o major José Maria Pereira de Oliveira, foram condenados a cumprir 228 e 154 anos de prisão, respectivamente. Outros 152 policiais acabaram absolvidos. “Não foi por acaso porque em toda a instrução do processo não houve produção de provas que pudessem exigir a condenação dos policiais”, acusa Afonso. Até hoje, Pantoja e Oliveira não cumpriram um dia de pena, ancorados em habeas corpus concedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Tampouco foi possível processar o governador Almir Gabriel (PSDB) e o secretário de Segurança Pública, Paulo Sette, responsáveis pela ordem de repressão dos integrantes do MST que fechavam uma rodovia. Eles pretendiam marchar a pé até Belém, onde protestariam pela desapropriação para fins de reforma agrária da fazenda Macaxeira, em Curionópolis (PA).

“O que a gente espera é que se faça justiça. Condenação de quem deve ser condenado. Reparação das famílias que são vítimas. Acompanhamento médico e psicológico”, ressalta Ayala Ferreira, da coordenação estadual do MST. Ela e os mais de setenta sobreviventes emitiram esta semana um manifesto exigindo que os responsáveis pelo massacre cumpram suas penas. A intenção é, também, chamar atenção para o fato de que não foi realizada uma reforma agrária efetiva no estado, motivo de todas as movimentações que precederam o massacre.

Poucas mudanças

A Comissão Pastoral da Terra faz um levantamento anual dos conflitos agrários no Brasil. Desde 1995, 205 trabalhadores rurais foram assassinados no Pará em 459 fazendas ocupadas por 75.840 pessoas. 25 mil mil famílias continuam acampadas à espera de assentamentos em áreas que, somadas, ultrapassam um milhão de hectares.

“Imediatamente após o massacre, com pressões nacionais e internacionais, o governo se viu forçado a promover alguns assentamentos. Mas não ocorreu reforma agrária, foi só uma política de compensação”, pondera o advogado da CPT.

Nos anos seguintes, os sem-terra conseguiram a posse da fazenda Macaxeira, rebatizada para Assentamento 17 de Abril em homenagem às vítimas do massacre. Seis mil famílias vivem na agrovila, que passa por um processo de mudanças para vender mais produtos ao mercado interno brasileiro.

“Todo e qualquer tipo de conquista só foi possível por conta da luta dos trabalhadores”, ressalta Ayala, que acrescenta: “A gente percebeu que tinha que ter outros avanços para garantir o processo de inserção no campo. Não bastava mais esperar por uma ação do governo, havia que fazer luta.” Além da reforma agrária em si, os trabalhadores do assentamento de Carajás pedem a reestruturação do Incra, o órgão responsável pela condução dos processos de desapropriação, e a valorização de um modelo de desenvolvimento econômico que se mostre como uma alternativa ao agronegócio, valorizando a preservação das riquezas naturais amazônicas.

A redistribuição fundiária e a punição dos responsáveis por crimes, indicam, são as chaves para evitar a repetição de episódios como o massacre de Carajás. “A impunidade é uma licença para matar. Os responsáveis pelos crimes se sentem livres para continuar encomendando a morte de outras lideranças”, concluir Afonso.

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