Para especialistas, falta de creches e de políticas específicas leva crianças às ruas

Cerca de 24 mil crianças e adolescentes vivem nas ruas de 75 grandes cidades brasileiras e são privadas de direitos fundamentais, segundo pesquisa do Conanda

Falta de atrativos para as crianças nas próprias comunidades pode ser um fator para o afastamento do convívio familiar (Foto: Sxc.hu)

São Paulo – A falta de creches e de políticas públicas é, segundo o promotor da Vara de Infância e Juventude Wilson Tafner, um dos principais fatores para que haja quase 24 mil crianças no Brasil em situação de rua. Jovens de todos os estados foram entrevistados em levantamento do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que abordou o perfil, as privações de direitos fundamentais e a convivência familiar.

Tafner utilizou o exemplo dos bairros mais pobres da cidade de São Paulo, em que existe defasagem de aproximadamente 60 mil vagas nas creches, o que prejudica o atendimento das crianças na primeira infância. “As mães, que geralmente acabam sustentando a família, saem para trabalhar e não têm com quem deixar os filhos, que acabam sendo cuidadas por vizinhos ou irmãos mais velhos. Mas é muito difícil manter a criança dentro de casa e muitas acabam passando o dia na rua”, disse.

A pesquisa constatou, entre outros pontos, que 59,1% das crianças em situação de rua dormem na casa de pais ou parentes, mas passam o dia fora desse local. Promovido também pela a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável (Idest), o estudo teve caráter censitário e percorreu 75 municípios de maios de 300 mil habitantes, incluindo capitais.

O alcoolismo, violência doméstica, falta de condições de vida e abuso sexual – motivos reportados pelos menores com um percentual de 70% na pesquisa do Conanda – se somam aos fatores segundo o promotor. “Por conta de abuso, se encaixaria na hipótese de que essas crianças tenham apoio de tias, avós, parentes que elas possam pernoitar, mas por ausência da família ou instituição que as acolhessem, passam o dia nas ruas”.

Tafner entende que esse tipo de estudo permite identificar carências de ações do poder público para reduzir o problema. Ele cita um pedido feito a respeito de dados sobre os casos de internação na Fundação Casa (antiga Febem), em São Paulo. Segundo o promotor, o bairro de origem com maior número de adolescentes internados é Brasilândia seguido de áreas nos extremos das zonas sul e leste, todas regiões periféricas.

“Se os bairros de origem destas crianças são justamente os que tem IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) mais baixo e índices de analfabetismo, desemprego e violência mais elevados, é mais fácil chegar numa conclusão de onde e como as políticas sociais precisam ser mais presentes”, defendeu.

Estas medidas para o reforço da política pública também são consideradas essenciais para a conselheira do Conanda, Glícia Salmeron. “É preciso o fortalecimento das famílias que vai desde a geração de renda à melhor distribuição de recursos e trabalho que incentive na relação de pais e filhos. Vou além: na responsabilidade de todos nós de mudar o olhar que temos a respeito destas crianças de rua”, pontuou.

Para Glícia, a sociedade contribui para que as crianças em situação de rua continuem no estado que se encontram. “Estes jovens que pedem esmola e que fazem trabalho de flanelinha na rua são vítimas do nosso modelo de sociedade. Nós vemos estes jovens com olhar de dó, não de respeito e fazer mudar a situação”.

Relação familiar

Em um dos dados apontados pela pesquisa, 55,5% das crianças em situação de rua declararam ter convivência boa ou muito boa com a família, apesar da maioria ter saído de casa por conta de violência doméstica e pobreza. Mais de 59% delas passam a noite em casa, mas vivem pelas ruas vendendo objetos de pouco valor e exercendo atividades como engraxates e flanelinhas.

Marcelo Caran, coordenador de projetos da Fundação Travessia, acredita que é um equívoco colocar toda a culpa no conflito familiar e não levar em conta um contexto mais amplo. “Nem toda criança e adolescente que está na rua é por motivo de família em conflito. Chamamos isso de contexto expulsivo, não se pode culpar isso porque isso vai além deste fator. O conceito familiar influencia, mas não pode se achar que colocando o foco nisso haverá resultado”, argumentou.

Segundo Caran, um dos motivos para o afastamento da convivência familiar é a falta de estrutura nas comunidades mais afastadas. “Na grande maioria, estas crianças vêm de famílias numerosas que os pais já são vitimizados pela falta de dezenas de outras questões e a comunidade não tem atrativo nenhum para estas crianças. No momento que as regiões centrais a população age de forma a comprar e oferecer coisas, eles acabam sendo atraídos e esta situação de rua acaba sendo uma possibilidade de vida também”, finalizou.

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