Para especialista, usuário de crack detido sem respaldo médico é ‘constrangedor’

São Paulo – Na última terça-feira, a Polícia Militar de São Paulo iniciou uma operação para reprimir o tráfico de drogas na região da Cracolândia, no centro da capital. A […]

São Paulo – Na última terça-feira, a Polícia Militar de São Paulo iniciou uma operação para reprimir o tráfico de drogas na região da Cracolândia, no centro da capital. A primeira etapa consistiu na remoção de dependentes que se aglomeravam na região e na limpeza das ruas, com caminhões-pipa. A iniciativa foi batizada de Operação Sufoco, e depois da dispersão dos dependentes químicos, a polícia fecha o cerco para identificar na multidão quais são usuários e quais são traficantes. Os primeiros, se não suportarem a abstinência ou não encontrarem outros locais para obter crack, espera-se que aceitem a assistência social; e os últimos serão presos.

A medida tem sido criticada por especialistas, por promover a dispersão de usuários, que se espalham por outros pontos da cidade. Além disso, a ação ocorre antes da inauguração de um complexo voltado para usuários de crack, com equipamentos de saúde. Segundo a PM, a assistência virá numa próxima etapa. Em comunicado ontem, o prefeito Gilberto Kassab disse que a medida não é “enxugar gelo” e que “já é um avanço elas [as pessoas doentes e dependentes] estarem numa região que tem polícia”. 

Para falar sobre o assunto, Brasilianas.org ouviu o psiquiatra, ex-presidente e atual consultor da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas, Carlos Salgado. De Porto Alegre, Salgado explicou a experiência do CAPS-AD que coordena em Venâncio Aires, município do Rio Grande do Sul, e defendeu a reestruturação dos albergues. “Simplesmente fechar albergues, porque eles são ineficientes ou mal organizados, ou mesmo incompetentes, é uma atitude bastante ingênua”. Confira.

Existe hoje no país alguma iniciativa que sirva de modelo no combate ao crack no território urbano?

Acho que infelizmente não. Existem vários esboços de iniciativas, inclusive entrando novamente na política federal, com a presidente Dilma repetindo o que havia dito o presidente Lula, com investimentos e aporte financeiro para uma série de ações, no caso mais recente no nível da assistência. Mas não há nenhum programa consistente focado no uso do crack, que tenha merecido alguma atenção maior. São várias tentativas, e, em geral, elas andam um pouco e são interrompidas, ou são inconsistentes, com algumas coisas que o governo federal tem feito; e aí o resultado acaba sendo bem pobre.

A lógica da iniciativa colocada em prática na cidade de São Paulo coloca, basicamente, que primeiro deve ser feita a descentralização do território tomado pelo crack. Depois, é feita a seleção daqueles que são traficantes e aqueles que são meros usuários. E estes, por fim, serão pressionados a buscar ajuda devido á abstinência. Há equívocos nessa abordagem por etapas?

A proposta geral é esta, uma sequência de ações, que poderiam ser em blocos, mas parece que a proposta é mesmo sequencial, e começa com medida repressiva para dispersar o tráfico. Sem dúvida que a relação entre uso e disponibilidade é íntima. Reduzindo a disponibilidade, a pessoa tende a usar menos e os mais dependentes vão procurar em outros pontos de venda, e os menos dependentes vão tolerar a diminuição da disponibilidade. Em si, é uma medida feliz, faz sentido: reprimir o tráfico, reduzir a disponibilidade, diminuir o uso e, portanto, os problemas.

No meio do caminho, porém, observando as pessoas mais dependentes, que sofrerão mais com a indisponibilidade da droga, vão se expor mais e buscar em outro ponto. E o traficante também tenderá a migrar para outro ponto, a não ser que o crime organizado que chega até o usuário seja desorganizado e abordado verticalmente. Parece-me que esse tipo de medida, de ir ao campo direto de venda, é das mais ingênuas, porque não é o traficante da ponta que determina se a droga estará plenamente disponível ou não, mas sim o sujeito que organiza a produção e coloca no mercado uma grande quantidade de droga. Mais do que pela ação policial direta, mas sim pela inteligência da polícia é que se poderia reprimir, e aí sim teríamos um resultado mais efetivo.

Confira a íntegra da entrevista no blog de Luis Nassif.

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