Corpo de comandante de sequestro de embaixador dos EUA está em Vila Formosa

Virgílio Gomes da Silva, o Comandante Jonas, é considerado o primeiro desaparecido entre os integrantes da luta organizada contra a ditadura

Ilda Gomes da Silva só teve a confirmação de que seu marido havia mesmo sido assassinado pela ditadura em 2004 (Foto: Regina Grammont)

São Paulo – Ilda senta na ponta do sofá, cruza as mãos sobre as pernas e avisa: “Olha, quando falo nesses assuntos, acabo chorando. Então já te peço desculpas”. Essa senhora, de cabelos brancos, rosto terno, tem os olhos azuis marejados antes mesmo de começar a conversa. Mas, contrariando o próprio prognóstico, fala com firmeza durante as horas seguintes.

Ilda Gomes da Silva, 73 anos, espera há 41 pela localização correta do corpo do marido. Virgílio Gomes da Silva, o Comandante Jonas, foi morto durante uma sessão de tortura em 1969. Mas a esposa não sabia. E manteve a dúvida até 2004.

Presa no dia seguinte ao do marido, Ilda foi mantida incomunicável durante quatro meses. A filha mais nova, com quatro meses, teve desidratação e ficou internada durante quase 30 dias. Os mais velhos, de oito e de seis anos, chegaram a ser “detidos”. “Faz pouco tempo que fiquei sabendo que colocavam eles nos carros e perguntavam pras famílias se queriam adotar porque os pais eram bandidos”, revela. “Do Virgílio Gomes da Silva – o Jonas – seu marido, Ilda não sabia nada. Diziam que tinha sido morto; falavam que alguém fora obrigado a limpar seu sangue na sala de torturas. Ilda não sabia dele. Ninguém sabia de Virgílio. Nunca mais se soube de Virgílio”, lembra a jornalista Rose Nogueira, companheira de prisão, no livro “Tiradentes, um presídio da ditadura”.

Arte: Julia Lima Fotos: Arquivo Pessoal, Reprodução (de Marighella)

Memória

Várias foram as vias tentadas até se chegar à ficha 4059/69 do Instituto Médico Legal. Jonas, comandante do sequestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Elbrick, foi torturado e morto menos de um mês depois da operação, em setembro de 1969. Virgílio Gomes da Silva é considerado o primeiro desaparecido político da ditadura entre os integrantes da luta feita por organizações.

Nascido no Rio Grande do Norte, Virgílio encontrou a militância política ao fugir da miséria do Nordeste. “É a história do povo brasileiro. E a gente precisa conhecer essa história para saber que não é limpinha. É cheia de sangue. Esconder isso é uma canalhice”, assinala Ivan Seixas. O presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), que perdeu o pai para a repressão e que foi detido aos 16 anos, lembra que Virgílio resistiu bravamente à ditadura. “Morre coerentemente defendendo a libertação do povo brasileiro do julgo da ditadura e dos Estados Unidos em defesa de um ideal socialista. A figura do Virgílio é maior, a gente tem de reverenciar independentemente de concordar com a opção política dele”, argumenta.

Gregório Gomes da Silva tinha apenas quatro anos quando teve de deixar o país. Em Cuba, formou-se engenheiro e conheceu a importância do pai. “Tenho a imagem do militante. É um herói brasileiro. É um herói que não se calou. Que ofereceu o melhor que tinha, que era a vida, contra a arbitrariedade que estava ocorrendo.”

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