Cracolândia expõe conivência da sociedade com o uso do crack, diz pesquisadora

Pesquisadora da Unifesp avalia que a existência da Cracolândia atende a conveniência da sociedade em relação ao uso da droga na cidade. Para os moradores do local a convivência com usuários de crack é um inferno. Para os usuários a cracolândia é um refúgio

São Paulo – A conivência entre a sociedade, a polícia, os usuários e os traficantes permite que o comércio e o uso do crack seja praticamente liberado em algumas ruas da região central de São Paulo. A avaliação é da psicofarmacóloga e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Solange Nappo, que realiza pesquisas sobre o crack desde 1992.

Para a professora, a existência da Cracolândia é uma forma conveniente para a sociedade de lidar com o uso da droga na cidade. “Parece uma coisa já absorvida por todas as instâncias, polícia, sociedade, que eles [os viciados] fiquem ali [na Cracolândia] e não perturbem a ordem em outros locais. Mal visto para quem mora do lado, mas bem visto para todo o resto da sociedade, que não tem que lidar com aquele pessoal.”

Morar ao lado da Cracolândia é “viver uma temporada no inferno”, diz o vice-presidente da Associação dos Moradores e Comerciantes do Bairro de Campos Elíseos (AMCCE), Nelson Barbosa. “É triste demais ver aquelas pessoas se arrastando pelas ruas, sem banho, mal cheirosas, sem alimentação, desdentadas e sofrendo todo tipo de privação. E, além disso, há a situação da insegurança.”

A degradação do centro da cidade é, na opinião de Barbosa, o principal motivo para aglomeração de grupos de até 200 usuários de crack na área. “As empresas foram saindo [do centro], as pessoas de melhores posses foram saindo e os prédios foram se tornado obsoletos.”

O pastor Jair Nery dos Santos, que coordena uma missão evangélica em uma rua tomada pelos usuários de crack, acredita que o caráter essencialmente comercial da região facilita o trânsito dessas pessoas. Ele destaca o fato de o número de viciados ser muito maior após o fechamento das lojas no final da tarde.

O grande volume de pessoas circulando nas proximidades seria algo que, para o pastor Jair, aumenta a possibilidade de se conseguir dinheiro para sustentar o vício. “Aqui passa muita gente que não é daqui, que acaba dando uma ajuda, achando que ele está com fome.”

A mulher de Jair, a pastora Nildes Nery dos Santos, que divide com ele a coordenação da missão e do trabalho com os moradores de rua, oferecendo banho e alimentos, acredita que o histórico da região atrai as pessoas envolvidas com drogas. “Todos vêm por causa dessa história de que a entrada do crack em São Paulo ocorreu na região próxima a Estação da Luz.”

Originário de Salvador, o casal já havia desenvolvido um trabalho com pessoas em situação semelhante. Apesar disso, Nildes se surpreendeu com a situação da Cracolândia quando chegou, há três anos. “Confesso que nunca vi nenhum lugar como aqui.”

Viver em função do crack nas ruas do centro de São Paulo foi uma forma de fugir dos problemas para Valderedo Araújo, 38 anos. “Quando você está ali, não tem problema nenhum. Você está usando droga, está curtindo. Ninguém fica enchendo o saco, falando o que você tem e não tem que fazer.”

Valderedo viveu dois anos nos domínios do crack, período ao qual ele atribui a perda dos dentes da frente, dos cabelos e o envelhecimento precoce.

As pessoas que vivem na Cracolândia vem de todo o Brasil, destacou o psicólogo da Organização Não Governamental (ONG) É de Lei, Thiago Calil, que trabalha com redução de danos com os usuários da região. “A grande maioria está sozinha, sem nenhum contato com a família.”

Fonte: Agência Brasil

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