Novo presidente da CTNBio tem trajetória pró-transgênicos

Edilson Paiva provocou polêmica por ter afirmado que uma pessoa poderia beber sem problemas glifosato, fertilizante usado em variedades de soja geneticamente modificadas. Nos bastidores, ele é visto como uma pessoa de trato difícil e pouco afeita a discussões aprofundadas

Apesar de críticas ao atual presidente, Walter Colli, minoria contra transgênicos na CTNBio consideram difícil que Paiva repita postura flexível em momentos mais críticos (Foto: José Gomercindo/AENotícias)

Edilson Paiva é o novo presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Pesquisador da divisão de Milho e Sorgo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o agrônomo exercia, até esta quarta-feira (10), a vice-presidência da comissão e foi o mais votado na lista tríplice encaminhada ao ministro de Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende (PSB), pasta a que a comissão é vinculada.

Edilson Paiva é conhecido por querer rapidez à aprovação de novas variedades de transgênicos e, quando relator, sempre se manifesta favoravelmente às liberações. Na CTNBio, vê-se a escolha de Paiva como uma continuidade da atual gestão, responsável pela liberação de 18 variedades de organismos geneticamente modificados (OGMs). A dúvida levantada nos bastidores é sobre as mudanças no trato interpessoal. Fontes ouvidas pela Rede Brasil Atual queixam-se do modo áspero do pesquisador e da tentativa de aprovar tudo sem discussões aprofundadas.

Na comissão, ninguém se esquece de declarações dadas por Paiva ao jornal Valor Econômico, em abril de 2007. Na ocasião, o agora presidente da CTNBio admitia que havia um aumento no uso de agrotóxicos por conta do plantio de transgênicos, mas considerava que essa era uma questão menor. “É um herbicida de classe menos tóxica e ajuda a reduzir o uso dos defensivos mais tóxicos. A vantagem na segurança alimentar é que os humanos poderiam até beber e não morrer porque não temos a via metabólica das plantas. Além disso, ele é biodegradável no solo”, pontuou.

 

Atribuição da CTNBio
A CTNBio é responsável por analisar os impactos ao ambiente e à saúde humana do cultivo de organismos geneticamente modificados antes da liberação de cada variedade. Entre as atribuições do grupo multidisciplinar, composto por representantes de diferentes ministérios e pro especialistas, estão a formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança relativa a transgênicos.

Paulo Yoshio Kageyama, representante do Ministério do Meio Ambiente na comissão, considera que será difícil que o novo presidente repita o desempenho de Walter Colli, titular do cargo desde 2006. “Muito embora a gente não concorde com muitas das posições dele (Colli), em certos momentos foram importantes suas tentativas de  maleabilizar o processo”, afirma.

Leonardo Melgarejo, representante do Ministério de Desenvolvimento Agrário, confirma que Walter Colli soube conduzir com inteligência as discussões. Apesar disso, o engenheiro agrônomo avalia que o atual presidente da CTNBio tenha cometido erros nas últimas reuniões. “Tratou com habilidade certos pontos polêmicos, mas tentou, no fim da gestão, aprovar rapidamente algumas alterações, e isso prejudicou um pouco sua imagem. O balanço final acaba maculado por essa atitude, que deu um caráter de tendenciosidade à gestão”, afirma.

Entre os pontos que “maculam” a gestão de Colli estão as tentativas de alterar as resoluções que estabelecem regras para aprovações de transgênicos e as condições de monitoramento impostas na pós-liberação. Colli colocou na pauta da reunião anterior da CTNBio a tentativa de dar fim ao monitoramento, mas, sob pressão, recuou.

Agora, no entanto, Melgarejo aponta que a medida pode tornar-se obsoleta por uma outra decisão. “Hoje (quarta), apresentaram na reunião setorial uma variedade de soja que não cumpre dois dos estudos que a Resolução Nº 5 exige, o que significa que há uma exigência que pode ser descumprida. Na prática, equivale a mudar a resolução. Vejamos como o novo presidente vai se comportar diante disso”, desafia.

Paiva

Sobre essa questão, o Ministério Público Federal emitiu na última semana um pedido para que a CTNBio não promova qualquer mudança. A subprocuradora-geral da República, Sandra Cureau, aponta em sua recomendação que “é inconstitucional e ilegal a proposta de alteração que diz respeito à análise de risco à saúde humana e animal, pois constitui uma verdadeira flexibilização dos critérios anteriormente estabelecidos, fragilizando a proteção desses bens jurídicos”.

Gestão de continuidade

Caso a escolha do novo presidente seja publicada no Diário Oficial desta quinta (11), Paiva já comandará a reunião da CTNBio agendada para a data. Na pauta está a liberação comercial da primeira variedade de arroz transgênico inserida no Brasil. Ocorrendo isso, será o 19º organismo geneticamente modificado a receber sinal verde desde a fundação da comissão, em 2005 – são duas variedades de soja, dez de milho e seis de algodão.

Paulo Yoshio Kageyama lamenta que a nova gestão comece sob o signo da continuidade. O professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) lembra que os favoráveis a uma cautela maior na liberação de OGMs são hoje minoria na CTNBio – reúnem apenas oito de um total de 27 integrantes –, e acabam injustamente tachados de radicais. “Como o interesse é muito comercial, essa questão da biossegurança fica prejudicada pela afoiteza das indústrias. A gente gostaria que os membros da CTNBio no geral fossem mais cautelosos”, pondera.

Reportagem recente da jornalista Verena Glass para a Revista do MST ressalta as ligações entre membros da comissão e as empresas que mais frequentam a pauta de aprovações de novas variedades de OGMs. Por exemplo, o novo vice-presidente, Aluízio Borém, é membro de uma organização não-governamental que recebeu US$ 161 mil da Fundação Monsanto, integrante da corporação de mesmo nome que domina boa parte das pesquisas sobre transgênicos no mundo.

Além disso, de acordo com o texto publicado na revista, Borem recebeu, para escrever o livro “Biotecnologia e Meio Ambiente”, apoio de uma associação internacional que tem, no quadro de associados, entidades como a própria Monsanto, Novartis, Syngenta, Bayer CropScience Ltda., Bunge, Cargill e Dow AgroScientes, todas elas importantes companhias multinacionais com forte presença no mercado de OGMs – e, portanto, autoras de pedidos de liberação para a CNTBio.

Leonardo Melgarejo prefere evitar acusações aos demais integrantes e aponta não ter como afirmar que falte lisura nos processos decisórios. “O que me chama atenção é que algumas pessoas, que são maioria, se consideram muito seguras para tomada de decisão com base nas informações que recebem. Um outro grupo, minoritário, considera necessário um número maior de estudos independentes, e não apenas os estudos incorporados no processo que, via de regra, são feitos pelas próprias empresas”, questiona.

O novo presidente, Edilson Paiva, por outro lado, é um dos muitos cientistas que assinam a “Carta aberta de cientistas brasileiros”, documento de 2003 encaminhado ao presidente Lula e ao Congresso no qual se pede que não haja impedimento ao desenvolvimento de transgênicos no Brasil e se acusa o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de atrapalhar as atividades de modificação genética.

O país, signatário de acordos internacionais como o Protocolo de Cartagena, em tese deveria adotar o princípio da precaução, também previsto na Constituição nacional. Esse princípio norteia os argumentos da Procuradoria Geral da República de que o cultivo e a comercialização de transgênicos deveriam ser interrompidos por não se saber com precisão quais podem ser os efeitos para as saúdes humana e animal.