Campina Grande troca sementes em nome da biodiversidade

Quinta edição da Festa da Semente da Paixão deve reunir em torno de 1.500 produtores rurais que vão debater alternativas ao uso de agrotóxicos e a resistência aos transgênicos

A discussão sobre as vantagens das sementes “crioulas”, como as mostradas na foto, é a arma dos produtores rurais para evitarem a entrada de transgênicos na Paraíba (Foto: AS-PTA)

A cidade de Campina Grande sedia na próxima semana um encontro a favor da preservação da biodiversidade e, por consequência, de garantia da soberania alimentar. A Festa da Semente da Paixão chega à quinta edição com expectativa de receber 1.500 produtores rurais interessados na troca de informações sobre as mudanças na agricultura na Paraíba e no mundo.

O encontro, de caráter itinerante, é realizado por diversas organizações da região, entre elas a Articulação do Semi-árido Nordestino na Paraíba (ASA). Neste ano, o centro das discussões são os chamados “guardiães das sementes da paixão”, ou seja, os responsáveis pela preservação das sementes crioulas (tradicionais).

A Paraíba tem uma condição diferente da vista em outros estados brasileiros. Boa parte das propriedades são de agricultores familiares que priorizam a policultura, com produção de subsistência ou para comercialização regional.

Emanoel Dias, assessor técnico da AS-PTA (entidade que organiza projetos de agroecologia) e integrante da ASA, lembra que há mais de 220 bancos de sementes comunitários paraibanos, nos quais os produtores contribuem com variedades crioulas em caráter de empréstimo. A retirada de uma determinada quantidade implica em uma devolução um pouco maior na próxima safra como forma de garantir que cada vez mais agricultores possam aderir ao programa.

“O sentido de guardar sementes é milenar. A criação de bancos tem um caráter simbólico, é onde você deposita suas riquezas. Além dos bancos comunitários, cada família tem o seu banco próprio, e isso é impossível dimensionar”, afirma.

A Festa da Semente da Paixão é dividida em dois dias. Na quinta-feira (18), os agricultores traçam um painel da atual situação regional e grupos de trabalho em cada região fazem uma previsão de como será o ano agrícola. O dia seguinte (19) é marcado por uma caminhada na qual se aproveita para falar à população em geral sobre os riscos dos agrotóxicos.

A data de 19 de março, para o nordestino, não é um dia qualquer. Reza a cultura popular que, se chover no Dia de São José, o plantio de milho deve ser feito na mesma data para que a colheita possa ser realizada a tempo das festas de São João, em junho.

A cada ano, os agricultores que defendem os cultivos tradicionais veem uma ameaça chegando pelo retrovisor. A Paraíba não tem produção de transgênicos em escala comercial, mas já há variedades de milho e de algodão liberados para plantio no Brasil, e a discussão sobre organismos geneticamente modificados (OGMs) é cada vez mais presente na pauta da Festa da Semente da Paixão.

“A gente não tem como impedir a chegada de transgênicos aqui. Por isso, nossa arma é a formação dos agricultores. Se tivermos pessoas conscientes do risco, vamos fortalecer nossa região”, afirma Emanoel Dias.

Biodiversidade

A importância de que pequenos agricultores façam seus próprios bancos de semente está comprovada em números. Pat Mooney, canadense que há 30 anos trabalha com a biodiversidade, aponta que as quatro empresas que dominam o mercado de biotecnologia produziram, desde 1960, 72,5 mil variedades de plantas de 12 espécies, a grande maioria de flores, e não de alimentos. No mesmo período, os camponeses produziram 1,9 milhão de variedades de plantas a partir de 7 mil diferentes espécies de todo tipo.

“Se vamos sobreviver à mudança climática, precisamos de toda a diversidade que esses fazendeiros têm – e ninguém mais. (…) Se temos diversidade, precisamos usá-la, o que quer dizer auxílio financeiro para garantir aí uma forma de sobreviver”, diz, entre outras afirmações, em entrevista à Rede Brasil Atual.

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