Conferência do Clima chega ao fim sem avanços significativos em Doha

Prorrogação do Protocolo de Kyoto em versão curta poderá ser única medida concreta na COP-18; metas obrigatórias e recursos financeiros permanecem indefinidos

Rio de Janeiro – É muito baixa a expectativa dos ministros dos quase 200 países presentes a Doha, no Catar, quanto ao sucesso da 18ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-18). Tanto que qualquer pequeno avanço nas negociações já é cantado como grande vitória pelos diplomatas. Com encerramento inicialmente previsto para hoje (7), a COP-18 deverá se estender por mais um dia, tempo necessário para que os países ajustem um documento final que, no lugar de medidas concretas e imediatas, trará, mais uma vez, somente promessas de engajamento futuro.

Apesar da evidente paralisia, diplomatas comemoravam em Doha a provável sobrevida do Protocolo de Kyoto, cuja primeira fase expira em 31 de dezembro. Em negociação liderada pelo Brasil, a segunda fase do Protocolo, que já recebeu o apelido de Kyotinho por conta da baixa adesão, será garantida pela participação de Austrália, União Europeia, Suíça e Noruega, únicos países com metas obrigatórias que ainda pregam respeito ao acordo.

O principal objetivo dos que defendem o prosseguimento do Protocolo de Kyoto, entretanto, é manter de pé a arquitetura institucional prevista pela ONU para o setor ambiental e que dá sustentação a instrumentos como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e o mercado de créditos de carbono. Resta decidir se a segunda fase do Protocolo se estenderá até 2017 ou 2020, quando está previsto o início da vigência da Plataforma de Durban, que ainda não teve seus detalhes definidos.

Promessa que permanece de pé, a Plataforma de Durban é acordo global que implicará na adoção de metas obrigatórias de redução das emissões dos gases causadores do efeito estufa tanto para os países industrializados quanto para os países emergentes ou em desenvolvimento. Em Doha, foi definido que as discussões sobre a Plataforma de Durban continuarão ao longo de 2013, até a COP-19, que acontecerá em Varsóvia, na Polônia.

Terceiro eixo da COP-18, a adoção do Fundo Verde Climático, que prevê investimentos de US$ 100 bilhões anuais para que os países em desenvolvimento possam se adaptar às conseqüências do aquecimento global e adotar políticas sustentáveis de crescimento econômico, também ficou para mais tarde. Até o último dia da conferência, o único país a anunciar novos aportes foi a Inglaterra, que destinará 1,8 bilhão de libras (cerca de US$ 3 bilhões) ao Fundo nos próximos dois anos.

Mais do mesmo

Em nota divulgada hoje, a organização brasileira Instituto Vitae Civilis, que acompanha de perto as negociações climáticas multilaterais nas duas últimas décadas, criticou a letargia dos governantes na COP-18: “Mais uma Conferência das Partes sobre Mudanças do Clima se encerra sem os resultados necessários para que o aumento da temperatura média do planeta fique abaixo dos 2 graus centígrados. Doha faz parte de um legado de incertezas e incompetências”, diz o documento.

Segundo a organização, que integra a rede internacional Climate Action Network (CAN), e o Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Desenvolvimento Sustentável (FBOMS), em Doha “assumiu-se despudoradamente que simplesmente manter as conversas é o resultado a ser atingido” nas reuniões sobre mudanças climáticas.

Os ambientalistas são taxativos: “Desde 2009, todo o trabalho dos negociadores tem gerado apenas o alargamento do cronograma para um acordo final. Estamos perigosamente nos aproximando do ponto a partir do qual não há volta. Se as emissões dos gases causadores do efeito estufa não começarem a diminuir a partir de 2015, teremos fracassado. No futuro, seremos reconhecidos como a geração que condenou seus filhos e netos”.

Brasil protagonista

Assim como nas últimas COPs sobre mudanças climáticas, o governo brasileiro assumiu em Doha um papel de liderança ao aceitar a missão de coordenar os esforços por um acordo que garanta a segunda fase do Protocolo de Kyoto. A ministra brasileira do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, chegou na quarta-feira (5) ao Catar enfatizando a importância do prosseguimento de Kyoto e também da adoção da Plataforma de Durban a partir de 2020: “Estamos caminhando para uma nova fase, que fortalecerá ainda mais o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, disse.

Apesar das boas intenções manifestadas pelos líderes globais, o problema continua sendo a urgência imposta pela crise climática, que se agrava em velocidade inversamente proporcional às negociações diplomáticas. Enquanto se comemora a sobrevida de um Protocolo de Kyoto cada vez mais fragilizado, uma pesquisa realizada pelo grupo Global Carbon Project e divulgada durante a COP-18 mostra que as atuais emissões globais de gases estufa estão 54% acima do patamar de 1990, ano-base utilizado para o cálculo das metas impostas por Kyoto.

“Ninguém, seja rico ou pobre, está livre das mudanças climáticas. Estamos diante de um grande desafio existencial para toda a raça humana, que pode alterar profundamente nosso estilo de vida e nossos planos para o futuro”, advertiu em Doha o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon. Salvo improváveis mudanças de última hora, a capital do Catar entra para a história das COPs como cenário perfeito para pregações no deserto.