Ruralistas ameaçam trancar pauta da Câmara por mudanças no Código Florestal

Senadora Kátia Abreu (PSD-TO) volta a endurecer discurso na véspera de visita de Dilma Rousseff a evento do agronegócio e na reta final da tramitação do projeto

Kátia Abreu garante que não vai negociar pelo menos três pontos do relatório (Foto: Geraldo Magela/ Agência Senado)

São Paulo – A bancada ruralista no Congresso ameaça atrapalhar o Palácio do Planalto na votação prioritária para o fechamento do ano. A senadora Kátia Abreu (PSD-TO) condicionou o apoio dos representantes do agronegócio à renovação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) a uma promoção de mudanças no projeto sobre o Código Florestal.

“Todos os partidos que concordam com a nossa tese vão trabalhar para obstruir. Não vamos concordar com um texto que vai trazer mais concentração de terras, mais desigualdade de renda”, disse a parlamentar  nesta terça-feira (22) sobre a versão do texto apresentada na segunda (21) pelo relator na Comissão de Meio Ambiente do Senado, Jorge Viana (PT-AC). “Nós não queremos mais desmatamento, as terras que nós temos no Brasil já são suficientes para a produção de comida. Mas não queremos um retrocesso que vá causar prejuízos para a produção de alimentos”, argumentou Kátia Abreu, que na quarta-feira (24) contará com a presença da presidenta Dilma Rousseff no encerramento da cerimônia de aniversário da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), entidade que preside. 

A ameaça vem no momento em que o governo corre contra o relógio para garantir a renovação da DRU, ponto que a equipe econômica vê como fundamental para um momento em que a crise internacional pode se fazer sentir com mais força no Brasil. A renovação da DRU, apreciada nesta semana em segundo turno na Câmara, garante ao governo a possibilidade de manejar verbas do Orçamento em saúde, previdência e educação independentemente do que prevê a Constituição.

A bancada ruralista é calculada pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) em 140 deputados, de um total de 513, e 18 senadores em um total de 81. Trata-se de uma frente que não se une em torno de partido ou da clássica formação entre situação e oposição, mas em torno das causas ligadas ao setor, como demonstrou a votação das mudanças no Código Florestal na Câmara, quando o governo de Dilma Rousseff sofreu sua primeira derrota no Legislativo. À ocasião, os representantes do agronegócio não apenas conseguiram dobrar o Planalto em vários aspectos do projeto como apresentaram em plenário uma emenda a que o relator, o então deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), hoje no Ministério do Esporte, havia se comprometido a não colocar em votação.

Agora, Kátia Abreu garante que não vai negociar pelo menos três pontos do relatório. O primeiro trata das multas aplicadas a produtores que desmataram além do permitido pela legislação. O texto de Jorge Viana estabelece que serão ressarcidos das multas os produtores familiares e donos de propriedades com até quatro módulos fiscais que fizerem a recomposição das suas reservas legais. Os médios produtores rurais terão seus casos analisados pelos órgãos estaduais de controle ambiental e os grandes produtores não terão o retorno das multas pagas. 

Uma mudança que bastou para que a presidenta da CNA deixasse de lado o discurso mantido ao longo dos últimos meses, de que a alteração do Código Florestal visava unicamente a garantir os direitos dos pequenos proprietários, fragilizados por dívidas. “Quer dizer que vai multar só porque é grande? Mas se eu sou grande não é melhor eu recompor a minha reserva, porque teremos uma reserva muito maior? Isso é preconceito ideológico”, disse a senadora.

Os ruralistas não gostaram ainda da proibição do plantio em topo de morros. O texto de Viana permite o cultivo em inclinação máxima de 25 graus, contra 45 graus no relatório anterior, elaborado pelo senador Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC), ligado à bancada do agronegócio. A alegação é de que o novo projeto inviabiliza a produção de leite no país. O último ponto de honra dos ruralistas é o trecho que trata da produção de alimentos em áreas desmatadas nas margens de rios. O substitutivo do petista garante a manutenção da infraestrutura que estiver montada nessas áreas, como casas, currais, granjas, entre outras coisas, mas não inclui as plantações. 

Os representantes do agronegócio têm pressa em garantir a votação na Comissão de Meio Ambiente. Esperam enviar o texto a plenário e conseguir uma nova aprovação rápida, de modo a apreciar novamente na Câmara o texto antes do recesso de fim de ano. Vence em dezembro o novo prazo dado pelo governo para que se comece a cobrar as multas sofridas por produtores rurais que desmataram além do permitido. Por duas vezes, uma no governo Lula e outra no governo Dilma, o Executivo cedeu. O último decreto foi feito para garantir que a aprovação do texto, que anistia estes proprietários em situação irregular, ocorresse antes do começo da aplicação das sanções. À época, o Ministério do Meio Ambiente garantiu que não se postergaria novamente a medida. 

Polêmicas e embates

A polêmica sobre as mudanças do Código Florestal brasileiro começou desde que foram propostas. A pressão dos ruralistas é pela revisão da Lei 4.771 de 1965, que define regras para preservação ambiental no país em propriedades rurais e áreas urbanas (embora o debate sobre as cidades tenha ficado de lado, segundo analistas). Pela legislação em vigor, parcelas das propriedades rurais precisam permanecer livres de desmatamento, incluindo áreas perto de rios e em encostas de morros.

Os ruralistas defendem a redução das áreas de preservação permanente (APPs), um dos principais mecanismos da lei para conter o desflorestamento. Perto de margens de rios, topos de morro e encostas, a vegetação original ou recuperada precisa ser mantida para evitar que erosão e desbarrancamentos, entre outros problemas ambientais, sejam acelerados. Eles criticam também outro instrumento do código, as reservas legais – parcela da mata nativa que precisa obrigatoriamente ser preservada dentro das propriedades rurais.

No discurso em defesa da revisão, há argumentos relacionados à necessidade de mais terra para produção de alimentos, e a posição do Brasil como grande exportador de commodities – matérias-primas de origem agrícola e mineral cotadas em mercados internacionais, como açúcar, soja etc.

A pressa ruralista decorre de um decreto assinado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2009, e adiado por quatro vezes até agora. A decisão prevê multas e restrições a crédito no Banco do Brasil a agricultores que descumprirem a legislação em vigor.

Ambientalistas enxergam na investida do agronegócio um risco de aumentar o desmatamento e de driblar a legislação. Em um momento em que o mundo discute a necessidade de preservação ambiental, a mudança na lei caminha no sentido oposto, segundo este grupo. Estudos da comunidade científica sustentam a visão e sugerem mais calma ao debate, para que se evitem equívocos que provoquem devastação irreversível.

Na Câmara, o relator de comissão especial sobre o tema foi o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) – atual ministro do Esporte –, que atuou de modo alinhado às expectativas dos ruralistas e sob críticas de ambientalistas. No Senado, Luiz Henrique (PMDB-SC) ficou encarregado de comandar os trabalhos em três das quatro comissões pelas quais a matéria precisa passar. Quando ocupou o governo catarinense, ele sancionou mudanças na lei ambiental, tornando-as mais brandas do que as nacionais, em uma medida ainda pendente  na Justiça.

Se aprovado na quarta comissão do Senado pela qual precisa passar, o anteprojeto seguirá ao plenário da Casa. Caso seja aprovado, o texto voltará à Câmara, que poderá acatar ou rejeitar as mudanças promovidas. Apenas cumpridas essas etapas é que a matéria irá a sanção presidencial, podendo ser vetada total ou pontualmente. Embora tenha havido acordo entre o Palácio do Planalto e os líderes ruralistas do Congresso, há ambientalistas que acreditam que a presidenta Dilma Rousseff pode barrar alguns pontos críticos da revisão.

 

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