Maior polo de agroecologia do Brasil garante qualidade de vida a produtores

Empresa do Paraná promove ligação entre mercado comprador e os 250 agricultores da região que produzem em núcleos familiares voltados à alimentação orgânica com práticas social e ambientalmente justas

Alberto Fritzen garante que a produção agroecológica é a melhor via para a produtor e para a sociedade (Fotos: © Gerardo Lazzari. Rede Brasil Atual)

Capanema (PR) – Capanema tem terras a perder de vista. Do alto de alguma colina, são coloridas as terras. Nem bem são as terras que têm cores: coloridas são as coisas que estão sobre elas. Nem só de verde se cobre uma terra. Pode ser amarelo, vermelho, marrom, pode ser de um bocado de cor aquilo que se planta.

Em Capanema se planta um bocado. A cidade, meio sem querer, meio querendo, transformou-se no principal polo organizado de agroecologia do Brasil. São 250 agricultores que não apenas produzem em núcleos familiares voltados à alimentação orgânica, mas que estão preocupados com uma prática social e ambientalmente justa.

“Sempre trabalhei na lida orgânica. Nunca usei tóxico. Acho que é melhor. Melhor para mim, para a saúde, para o meio ambiente”, afirma Alberto José Fritzen, um produtor que é alegria pura. Com a ajuda de um chapéu de palha e de um trator, este homem de 56 anos, cabelos bagunçados, fundos olhos azuis, joga esterco em suas terras numa tarde quente na qual se preocupa com a produção de mandioca, milho, feijão, arroz, batatinha, cebola, alho e repolho. De cima do trator, sempre com sorriso no rosto, conta que está há 32 anos em Capanema, cidade do extremo-oeste do Paraná a 550 quilômetros da capital Curitiba e a menos de vinte da fronteira com a Argentina.

Fritzen viveu o começo do movimento destes produtores atentos à própria qualidade de vida e à dos seus consumidores. Cansados das intoxicações por agrotóxico, muitos deles empreenderam o caminho de volta à cultura dos pais e dos avós. Até a primeira metade do século XX, a humanidade havia se alimentado algumas dezenas de milhares de anos sem se preocupar com defensivos agrícolas. O desenvolvimento de uma agressiva indústria agroquímica, no entanto, trouxe consigo a promessa de que era possível produzir mais, melhor e com melhores preços graças à aplicação de algumas substâncias.

Em Capanema, alguns nem quiseram ingressar nessa viagem. Outros compraram passagem, mas logo retornaram ao ponto de origem. No fim da década de 1980, era preciso articular uma maneira de escoar a produção orgânica, que naquela época não era tão valorizada quanto hoje em dia. Logo surgiu uma empresa chamada Terra Preservada, que fazia o elo entre produtor e consumidor. Ela desapareceu na década de 1990 e apareceu no começo deste século a Gebana Brasil.

Incentivos e mercado

A ideia da empresa é garantir um mercado consumidor para agricultores preocupados com qualidade de vida. O trabalho começou com a comercialização de soja, que continua como carro-chefe, mas com o tempo foram surgindo mercados para feijão, milho e trigo. O preço é acertado com o produtor no começo da colheita.

César Colussi, da Gebana, é um dos articuladores entre produtores e mercado consumidor

Para garantir que não se volte a um cultivo convencional, com uso de agrotóxicos, os compradores de orgânicos – por aqui e em quase todo o mundo – pagam bônus que tornam mais atrativa a agroecologia. É uma espécie de prêmio por um modo de vida comprometido com a sociedade. Na prática, quem entra neste segmento só pelo dinheiro acaba saindo pouco tempo depois. A labuta do produtor de orgânicos é mais árdua porque, sem poder passar agrotóxicos, resta-lhe a força da enxada na hora de remover ervas daninhas. É preciso fazer um controle rígido porque o mato prejudica o crescimento dos alimentos.

O jeito é encontrar alternativas. Os produtores orgânicos espalhados pelo país tentam trocar informações que possam ajudar uns aos outros. Uma máquina que – literalmente – dá choques na terra foi desenvolvida em São Paulo para tentar dar conta das ervas. Ela está sendo testada em Capanema, mas não é simples garantir que a solução de um local funcione bem em outro. Tampouco é barato encontrar saídas para tornar mais fácil a vida do produtor agroecológico. “Trabalhar com pequeno é complicado. Nem dão bola para ele. Temos de desenvolver nossa própria tecnologia”, afirma César Colussi, sócio-gerente da Gebana.

Enquanto caminha pelos armazéns, ele conta os avanços obtidos nesta última década. Deve ser o único lugar barulhento da pequena Capanema, de 18 mil habitantes, ruas arborizadas e planejadas. As máquinas trabalham a todo o vapor no processamento de soja, que é ensacada e levada para o porto de Paranaguá, de onde é enviada à Europa, o principal mercado consumidor. Hoje, toda a produção é aproveitada, diferentemente do começo, quando os agricultores não tinham muitas condições de separar grãos de menor qualidade. Tudo vira farelo, farinha, lecitina – usada na produção de chocolate orgânico – e até mesmo tofu, do qual são feitos outros 25 produtos. A maior parte da soja colhida em Capanema chega ao Velho Continente sem industrialização, mas os produtores têm obtido avanços também neste sentido. Numa outra sala se processa o trigo, que vira farinha e vai a padarias e restaurantes de algumas cidades brasileiras.

Sem filhos, não dá

Seu Deoclides Peraro, de 61 anos, tem um vizinho imenso, mas silencioso. Seus doze hectares vão dar logo ali, no Rio Iguaçu, o que lhe garante não só uma bela vista, mas água para a lavoura – a dele e a dos vizinhos. Do outro lado já está o Parque Nacional Iguazú, o que significa que está também a Argentina. É uma mata preservada, bonita, que corta toda esta região até Puerto Iguazú, na Tríplice Fronteira com Brasil e Paraguai.

Deoclides Peraro vê a produção orgânica sob risco pela falta de mão de obra

A cidade vizinha, a quarenta quilômetros de distância, é Comandante Andrecito. Uma cooperativa argentina também fornece para a Gebana, a exemplo do que ocorre no Paraguai, em dois projetos que ainda estão em fase de crescimento. Do lado de cá, seu Deoclides é só ele e a esposa para plantar até oito hectares de lavoura, sendo cinco hectares de soja. “A mão de obra está ficando cada vez mais difícil. Este ano ainda vou segurar o orgânico, mas o outro ano não sei. A gente não tem ideia fixa de continuar porque também está ficando bem pesado.”

Ele lamenta a possibilidade de ter de passar a produzir com uso de agrotóxico, mas seguramente não é o único. Estimulados pelo atual modelo de desenvolvimento, os filhos dos produtores migram para as cidades, deixando de ajudar na produção de alimentos importantes para a economia, para a saúde e para a cidadania. Restam em Capanema produtores mais velhos, que muitas vezes não têm energia de aguentar um modo de produção mais exigente. O sol de outono, com a gente assim parado, sem fazer nada, judia. O sol de verão, trabalhando na enxada, deve ser algumas vezes mais complicado. Com 40, 50 anos de lida, então, há de se entender o cansaço.

Para que tenham o direito à agricultura ecologicamente correta, os produtores de Capanema precisam de ajuda. “Minha ideia é continuar produzindo. É difícil desistir. Só se a empresa amanhã ou depois fechar as portas. Mas sempre falo que fui dos primeiros a entrar, quero ser o último a sair”, conclui Fritzen. Que o sorriso dele, então, siga aberto.