quem paga o estrago?

Fracasso dos transgênicos leva empresas a investir em novas tecnologias

As lavouras geneticamente modificadas não elevaram a produtividade, não reduziram os custos da produção de alimentos e causaram danos ambientais sem tamanho. A Monsanto, por exemplo, aposta agora na edição de DNA

Reprodução/Wikimedia Commons

O CRISPR permite, entre outras coisas, deletar partes do DNA suscetíveis a alguma doença, com poucas interferências no conjunto de genes da planta “editada”

 São Paulo – No princípio, a promessa das plantas geneticamente modificadas era o ganho de produtividade e redução do uso de agrotóxicos. Vieram variedades resistentes ao herbicida glifosato, depois ao glufosinato de amônio, em seguida ao 2,4-D e mais recentemente, ao Dicamba. Sempre na lógica de aumentar a resistência das plantas, pela transgenia, para aumentar as vendas da própria linha de agrotóxicos.

Ao mesmo tempo, foram sendo incorporados nas plantas genes produtores de toxinas para matar insetos. Atualmente é possível combinar três a quatro genes resistentes a herbicidas e três ou quatro resistentes ao ataque de insetos em plantas como a soja, milho e algodão, por exemplo, produzidos por empresas como a Monsanto, a Bayer – que, aliás, está em processo de compra da Monsanto –, a Basf, Bayer, Dow, Syngenta e Du Pont.

De 1994 para cá, quando foram lançados, os transgênicos não proporcionaram  aumento da produtividade e muito menos a prometida redução na aplicação dos agrotóxicos. Pelo contrário, o uso aumentou em cerca de 300% no caso da soja. Houve crescimento também na prevalência de doenças causadas por esses produtos, como diversos tipos de câncer e malformações congênitas, entre tantos outros problemas de saúde.

Os danos ambientais são incalculáveis. Aos poucos vão aparecendo dados sobre a contaminação do solo, das águas, inclusive subterrâneas, o desaparecimento de espécies, como as abelhas, devido ao uso de agroquímicos. Mas isso é a ponta do iceberg, porque não foram ainda avaliados os impactos causados pela interação dos organismos geneticamente modificados (OGMs) com as complexas redes que compõem a biodiversidade.  

Em vários países, os agricultores que foram seduzidos pelas falsas promessas vão aos poucos lutando para se livrar dessas sementes, o que não é fácil. Há assedio das empresas, com pressões econômicas, e a própria contaminação causada pelo pólen transgênico, levado pelo vento, pelos pássaros e abelhas. Os consumidores, no na Europa e Canadá, pressionam seus governos. Não deve demorar tempo para que passem a pressionar outros países, de onde importam alimentos, e que usam essas sementes.

Preocupadas com a manutenção dos lucros, que depende da substituição dos transgênicos, as empresas já investem em novas tecnologias. A norte-americana Monsanto anunciou em agosto mais um acordo de licenciamento global da plataforma CRISPR (lê-se ‘crísper’), dessa vez com a sul-coreana ToolGen.

Segundo a Monsanto, o objetivo é oferecer ao agricultor condições para “crescer mais usando menos”. E que “os agricultores precisam de uma variedade de opções de sementes para resolver suas necessidades locais, como gerenciar mudanças climáticas, usando sabiamente insumos e recursos naturais”. Destacou ainda que a tecnologia permitirá à companhia fornecer aos agricultores soluções para problemas que anteriormente não foram corrigidos”.

A tecnologia surgiu a partir da descoberta, em 2007, por uma indústria de iogurtes, de um mecanismo de defesa inesperado usado por um grupo de bactérias para combater vírus. Em 2013, com o avanço das pesquisas em diversos laboratórios, ganhou status de maravilha molecular e em 2015 foi eleita como grande descoberta pela revista científica Science.

Possibilidade 

Reprodução/Youtubecrisper science.jpg
O CRISPR foi considerado tecnologia do ano, segundo a revista científica Science

Trata-se de um sistema que permite “editar” o DNA, estrutura molecular presente no núcleo das células de todos os seres vivos, onde estão armazenadas todas as informações genéticas de um organismo, que serão transmitidas aos seus descendentes.  

“A edição de genes é uma nova possibilidade que surgiu nos últimos anos. Trata-se de uma tecnologia, inspirada no mecanismo das bactérias para se defender de vírus. Elas gravam as informações que têm nos vírus e  produzem uma enzima que pode ‘cortar’ o DNA do vírus. Ou seja, permite editar: a bactéria corta o DNA e coloca uma sequência, ou tira uma sequência”, explica o professor e pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e colaborador do Instituto Independente de Biossegurança Genok, da Noruega, Rubens Onofre Nodari.

Essa tecnologia, segundo ele, é muito mais versátil que a dos transgênicos porque permite fazer pequenas modificações. “Na transgenia, ninguém sabe onde a sequência de DNA vai entrar, quantas cópias vai se ter, se vai expressar bem ou mal. Tudo na tentativa de acerto e erro. Não tem nada de cientificamente controlado ali. Agora com essa nova tecnologia, a promessa é a que dá para pegar essas enzimas, que foram ‘engenheiradas’, e criar uma enzima para cortar no lugar certo e aí mexer com poucas coisas. A Monsanto já tem uma soja nos Estados Unidos feita com essa tecnologia.” 

Há vários laboratórios de pesquisa na Europa, inclusive públicos, tentando usar essa tecnologia para fazer pequenas modificações, como deletar uma ou outra base do DNA para evitar que a uma planta seja suscetível a algum tipo de microorganismo causador de doenças.

“Um gene de suscetibilidade a doença é um gene que tem algum composto, que negocia a entrada desse agente patógeno no indivíduo. Como tudo é uma questão de interação entre o hospedeiro e outro organismo, qualquer modificação pode evitar a suscetibilidade”, explica Nodari. “Então aquelas variedades suscetíveis à doença têm grande possibilidade diante dessa perspectiva de vir a ser resistente com poucas interferências no conjunto de genes.”

Conforme o especialista, a técnica está sendo usada também no genoma humano. Artigos publicados na Ásia mostram que foram modificados genes para evitar doença nas crianças.

Fim do OGM

Nodari avalia que em pouco tempo a transgenia vai ser superada pelo CRISPR em termos de potencial, flexibilidade e aplicações devido às suas limitações, como transformar uma célula e regenerar um indivíduo adulto por meio dessa célula. “E a CRISPR nos permite poder ir em uma célula que já está em cultura, que vai crescer”, diz, lembrando a guerra pelas patentes da tecnologia em meio às pesquisas que também não param, embora pouco de efetivo tenha sido obtido em 20 anos de muita pesquisa e muito investimento.

“Há muita esperança. Os pesquisadores dizem que a tecnologia é mais precisa que a transgenia, embora haja artigo criticando. Nós estamos fazendo alguns ensaios, mas estamos tendo muita dificuldade, porque queríamos um teste mais robusto. Vamos ver se a gente conclui esse teste para ver se nós vamos ter esse efeito de fato só em um ponto ou em muitos pontos no genoma da planta”, diz.

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Rubens Nodari: CRISPR deve substituir em pouco tempo a transgenia

A maioria das pesquisas com CRISPR é feita nos Estados Unidos, na China, em países europeus. Praticamente todas as universidades norte-americanas e europeias, públicas e privadas, a utilizam para alguma coisa, especialmente para melhorar a  resistência a doenças. “Só se eu estiver enganado, mas não vejo nenhuma novidade na área dos transgênicos. E essa nova tecnologia ainda não foi trazida ao Brasil porque aqui ainda não há consenso. A CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) não a considera transgenia, já a assessoria do Ministério da Agricultura acha que é. Então estamos diante de um impasse, não sei como vão ver.”

Ética

De acordo com  Nodari, a Inglaterra já autorizou a seleção de embrião, o que permite a uma família fertilizar no laboratório vários embriões e, depois da terceira ou quarta divisão celular, poder tirar uma célula, submetê-la a um diagnóstico por meio de DNA e descartar genes defeituosos ou com suscetibilidade a doenças para só então implantar na mulher aqueles que não têm defeito. “Veja que em alguns países já estão autorizando a seleção de embriões, ou seja, a seleção de pessoas. Para não nascer uma pessoa defeituosa, é justo. Mas qual é o limite do justo, injusto, legítimo, ilegítimo?”, questiona.

O maior problema, segundo ele, é estabelecer os limites dessas tecnologias do ponto de vista ético – o que não é discutido adequadamente, à luz do conhecimento científico, mas apenas sob aspectos culturais e religiosos. “Mexer em um embrião para possibilitar um indivíduo sadio também é questionável. Problema é que na comunidade científica há quem queira ganhar notoriedade, a primazia de ter feito as coisas, e não estão nem aí para o que é a vida. Daqui a uns 20 anos será possível fazer o que quiser. Se houver dinheiro, ter um filho selecionado em laboratório. É duro admitir, mas vamos chegar ao ponto em que não teremos mais controle sobre as coisas. Isso de maneira geral. Está cada um mais preocupado com sua carreira. A maioria dos meus colegas ligados à área agrícola está mais preocupada com as empresas, em desenvolver venenos, do que com os impactos dessa agricultura, desses venenos sobre a vida. Então é uma luta difícil, mas contínua”.

Monstruosidade?

Para o cientista, a tecnologia CRISPR, em si, é irrelevante como qualquer outra – relevantes são os seus produtos. Nodari lembra que é perfeitamente possível obter um transgênico bem-feito, que aumentasse o rendimento, que a planta pudesse ser mais resistente à seca ou durar mais tempo, ou mesmo aguentar mais tempo sem chuvas sem apresentar os efeitos colaterais.

Por essa razão, ele defende que o debate sobre essas tecnologias não seja reduzido a ser contra ou a favor. “Eu não tenho posição contrária e nem favorável aos transgênicos ou aos CRISPR, não posso ser maniqueísta. O que eu tenho criticado é a forma como tem sido usadas e os produtos obtidos. Os caras estão escolhendo os piores produtos da tecnologia, para vender mais veneno, ou parar criar insetos mais resistentes para eles voltarem a vender mais venenos”, ressalta.

Ele lembra que há insulina, hormônio imprescindível para a maioria dos diabéticos, que são obtidos pela transgenia. Ou seja, uma bactéria transgênica obtida de gene humano, produzindo insulina. “Nesse caso, não posso ser contra. Então, não se pode chamar de monstruosa uma tecnologia. Chamo de monstruosa a atitude de um cientista que vai fazer algo que vai prejudicar a espécie humana. Se ele vai lá mexer no embrião para fazer seleção em humanos, está ultrapassando os limites. Mas a tecnologia pode, sim, gerar produtos úteis para nós. A gente tem de se dedicar mais a compreender a ciência e o que está por vir.”

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