Morte por doenças cardiovasculares é maior entre os pobres

Universidade Federal de Juiz de Fora e Fiocruz apontam que doenças ligadas ao coração matam mais, e mais cedo, em localidades de baixo desenvolvimento socioeconômico

Mortalidade por causas cardiorespiratórias, bastante alta no Brasil, está diretamente associada às piores condições de vida, segundo especialista (Foto: Sanja Gjenero/Sxc.hu)

Durante muito tempo, as chamadas doenças cardiovasculares, como infarto, derrame, angina, trombose e embolia, entre outras, eram comumente associadas às classes sociais mais favorecidas. Doença de rico. No entanto, nas últimas décadas, diversas pesquisas feitas em todo o mundo para avaliar a relação entre as desigualdades em saúde e as desigualdades sociais têm demonstrado o contrário.

Tanto a incidência como a mortalidade devido a problemas no aparelho circulatório é bem maior entre os mais pobres, exatamente como acontece com a maioria das enfermidades. Resultado idêntico foi encontrado por pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, e da Fundação Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro.

“A mortalidade por essas causas, bastante alta no Brasil, está diretamente associada às piores condições de vida. Os resultados encontrados em nosso trabalho são coerentes com outros estudos, inclusive internacionais, segundo os quais a chance de morte é maior nos grupos menos favorecidos, mesmo em países ricos”, diz o médico Mário Círio Nogueira,  mestre em saúde coletiva e um dos autores da pesquisa. Ainda segundo ele, as mortes prematuras, antes dos 64 anos, ocorrem em maior proporção no país do que em países ricos.

O estilo de vida da população, um fator de risco importante para o adoecimento e morte, é uma das explicações, conforme Nogueira. E como o tabagismo, a alimentação inadequada e sedentarismo são mais frequentes entre os pobres, a situação não poderia ser diferente.

“Faltam, entre outras coisas, espaços públicos adequados para a prática de exercícios físicos em bairros mais pobres e periféricos”, diz. “E o acesso de todos a uma dieta saudável é muito difícil devido ao preço elevado e a indisponibilidade desses produtos em muitas localidades”. Outra razão, não menos importante, é a determinante social, ou seja, o acesso às tecnologias oferecidas pela medicina, como serviços, medicamentos, profissionais, procedimentos.

Para chegar a tais conclusões, os pesquisadores avaliaram os registros de óbitos de homens e mulheres com idades entre 35 e 64 anos, do período de 1999 a 2001, em 81 regiões urbanas que compõem Juiz de Fora, em Minas Gerais. Os dados foram cruzados com o Índice de Desenvolvimento Social (IDS), um indicador inspirado no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

O IDS mede o grau de desenvolvimento social de uma determinada área geográfica em comparação com outras de mesma natureza. Entre outras coisas, leva em conta a porcentagem dos domicílios com acesso a serviços adequados de saneamento básico (abastecimento de água, rede de esgoto e coleta de lixo); número médio de banheiros por pessoa; porcentagem de analfabetismo em maiores de 15 anos; rendimento médio, em salários mínimos, dos chefes de domicílio; e porcentagem dos chefes de família com menos de quatro anos de estudo. Seu valor varia entre 0 (piores condições socioeconômicas e ambientais) e 1 (melhores condições).

Para o pesquisador, o reconhecimento do problema, tal como seus detalhes e consequências, é um primeiro e importante passo que as autoridades de saúde podem dar para reverter a situação. “Como a desigualdade social tem raízes na estrutura social e econômica das populações, com determinantes globais, uma resposta à altura da situação deveria incorporar políticas públicas mais amplas, visando reduzir a concentração de renda e de poder. Mas como isso tem implicação política, dificilmente será alcançada em curto prazo”, diz.

No entanto, ele crê que iniciativas setoriais que atuem nos mecanismos pelos quais as desigualdades sociais geram desigualdades em saúde talvez sejam efetivas num curto prazo. “É o caso de facilitar o acesso das populações mais pobres à alimentação saudável atrelado a programas para educação alimentar e a oferta de locais adequados, com orientação de profissional, para as atividades físicas”, explica o médico.

Ele reconhece a importância de estratégias de saúde da família, que ampliaram o acesso da população à atenção básica, como ações de educação em saúde voltadas para estilos de vida mais saudáveis. Porém, no caso de doenças cardiovasculares, o acesso a uma boa rede de saúde é importante não só para as ações preventivas, mas também para um atendimento rápido e um diagnóstico e tratamento corretos nos casos urgentes. “Por isso a qualificação e fortalecimento do SUS tem um grande potencial para reduzir desigualdades em saúde”.

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