Microfone, a arma dos paraguaios

De um dia para o outro, um presidente eleito é destituído. Mas a resistência se articula

No lugar de tanques do Exército, o Parlamento. Assim se deu o golpe de Estado no Paraguai, em 22 de junho. Os votos de deputados e senadores, em poucas horas, decidiram pelo impeachment do presidente Fernando Lugo. As manifestações em frente ao Congresso foram duramente reprimidas. 

Processo de impeachment para destituir Fernando Lugo durou apenas 30 horas (Charge: Ohi)

No dia seguinte ao golpe, ao chegar em Assunção, imaginei deparar com protestos por toda parte. Nada disso. O clima era de feriado, pouca gente nas ruas, comércio parcialmente fechado. Onde estaria a indignação dos paraguaios diante do golpe?

A aparente calmaria foi quebrada à noite, em frente à TV Pública Paraguay, onde centenas de jovens se reuniram para protestar no programa Microfone Aberto. O microfone, instalado na calçada, estava aberto para quem quisesse protestar, ao vivo. Já havia censura do governo de Federico Franco contra a televisão, mas os funcionários não se intimidaram e continuaram a transmitir a programação. De braços dados, enfileirados em uma das esquinas, os jovens fecharam a rua para impedir a entrada da tropa de choque na emissora pública. “Nenhum passo atrás”, gritavam os manifestantes. O clima era tenso, mas não houve confronto.

Já era perto de meia-noite, com a presença de aproximadamente mil pessoas, o cidadão Fernando Lugo chegou de surpresa. Usou o microfone, denunciou o pouco tempo que teve para se defender no processo de impeachment e depois concedeu uma entrevista coletiva à imprensa internacional, nos estúdios da emissora. A Rádio Brasil Atual, da Rede Brasil Atual, era o único meio de comunicação brasileiro presente. A fala do presidente foi transmitida ao vivo pela TV.

A repórter Marilu Cabañas passou dez
dias  no Paraguai após a queda de Lugo.
Confira reportagens na Rádio Brasil Atual

Nos dias seguintes, paraguaios de todas as idades passaram a frequentar o programa. A TV Pública se tornou o foco de resistência urbana no Paraguai. Até um “restaurante solidário” foi montado na rua. Mulheres voluntárias cozinham para alimentar os manifestantes.

Com a reação popular, o presidente deposto instala um governo paralelo. É lançado o movimento Paraguay Resiste. Lugo se encontra, na Central Nacional de Trabalhadores (CNT), com membros da Frente Guasu, que o apoiou rumo à Presidência da República, e com integrantes da Frente pelo Retorno da Democracia no país. Lugo recebe o apoio da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e do Mercosul, que aplicam sanção política contra o Paraguai, é ouvido pelo secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, e resolve percorrer o interior do país para explicar aos paraguaios os reais motivos do golpe parlamentar.

Com a implantação da saúde gratuita, do programa Tekoporã, uma espécie de bolsa-família, e de uma contribuição às pessoas da terceira idade, Lugo tem o apoio da parcela pobre da população. Mas como o retorno ao poder é praticamente impossível, segundo assessores do presidente deposto, o foco agora é a eleição para a Presidência e o Senado, em abril de 2013. Lugo, que possivelmente encabeçará a lista dos candidatos a senador, deve decidir, entre seis nomes da Frente Guasu, o mais adequado para concorrer às eleições. 

O mais cotado é o jornalista Mário Ferreiro, pelo bom desempenho nas pesquisas de intenção de voto e por sua popularidade, já que é apresentador de televisão. Outro nome forte é a ex-ministra da Saúde Esperanza Martinez, que ganhou força por ter implantado o programa gratuito de saúde no país. O temor agora passa a ser em relação às fraudes no processo eleitoral e até o impedimento da candidatura de Lugo ao Senado.