Ecos do 15 de outubro

Para professores, movimento aprofunda relação entre as pessoas e reinventa a contestação política

Aula aberta no Vale do Anhangabaú (foto: © Danilo Ramos)

Ecos do 15 de outubro

“Só por acontecer em 900 cidades é ‘surreal’. Ontem estava pensando que nunca poderia imaginar que viria a uma manifestação que tem a ver com os Estados Unidos, com a Espanha, com o Chile”, comemorava Maíra Tavares Mendes, professora de uma rede popular de cursinhos pré-vestibular, no último 15 de outubro, enquanto protestos contra o capitalismo e suas crises correm o mundo. Entre os atos programados em 950 cidades de 82 países, a marcha de São Paulo acabou se transformando no Ocupa Sampa, um eclético acampamento no Vale do Anhangabaú, no centro paulistano, sem data para terminar.

“A linha em comum (com os demais países) é ser anticapitalista e contra o sistema antidemocrático”, disse Bárbara Guimarães, uma jovem que fotografava o encontro. “O chamado internacional foi o estopim para nos indignarmos com as questões locais, habitação, saúde e educação, que o Estado brasileiro deixou de servir com qualidade. Há espaço para todos falarem. Não dá mais para continuarmos calados, dormindo, como se nada acontecesse”, endossou Jeff Anderson, um dos responsáveis pela comunicação do movimento. “Vivemos um contexto diferente no Brasil. Há muitas especificidades. Mas, pelo nível de globalização, estou segura de que o país não está livre desses problemas”, diz a estudante Natalie Drumond. “O sistema capitalista está em um beco sem saída.”

Rita, da PUC-SP, deu aula aos acampados (foto: © Danilo Ramos)

Aos poucos, o movimento recebe expressões originais de apoio, inclusive de intelectuais e do meio acadêmico. Rita Alves, do curso de Antropologia da PUC, Igor Fuser, da pós-gradução de Jornalismo na Cásper Líbero, e Vladimir Safatle, da Filosofia da USP, estiveram entre os que ministraram aulas públicas como forma de levar o ambiente acadêmico a interagir com o inovador fenômeno sociocultural. “Eu fiquei instigada e incomodada com essa movimentação mundial, ficaria angustiada por voltar para a sala de aula como se nada tivesse acontecido”, disse Rita Alves, ao defender a apropriação de espaços públicos no mundo contemporâneo como meio de aprofundar a relação entre as pessoas.

Vladimir Safatle considerou sua aula aberta uma das experiências mais impressionantes de sua vida. “Sou extremamente grato por ter tido a oportunidade de conhecer melhor o que estão propondo. Acredito que um movimento dessa natureza é uma tentativa extremamente importante de reinvenção da potencialidade do campo político, e eles têm consciência disso, contrariamente ao que muita gente gosta de fazer, de criar uma caricatura e dizer que são irresponsáveis”, observa. “Eles têm uma consciência muito mais profunda do que aqueles que os criticam.”

O professor vê nesses movimentos uma visão correta do que está acontecendo com o mundo e discorda dos que dizem que eles não têm proposta. “Falar da transformação da democracia representativa em democracia real também não é uma proposta extremamente concreta?”, pontua. “Quem tem uma boa proposta na mesa? Quero ouvir. O que eles querem é discutir profundamente os problemas. O pensamento, quando age em sua força crítica, abre novos espaços. As pessoas que os criticam têm medo de pensar. Por quê? Porque têm medo de criticar pressupostos que não querem criticar. Esses jovens estão dispostos a isso.”

Colaboraram João Peres e Virgínia Toledo