A mais fiel do Brasil

Mesmo na quarta divisão do Brasileiro, Santa Cruz, do Recife, levou ao estádio 40 mil pessoas por jogo

No jogo que asseguraria o acesso, o time teve apoio de 60 mil torcedores (foto: © Bobby Fabisak/Folhapress)

Se a maior torcida no Brasil não está em Pernambuco, é lá que está a mais presente. Nos dois últimos anos, nenhum time do país levou mais fãs aos estádios do que o Santa Cruz. Detalhe: o time do Recife só disputou a primeira divisão nacional em duas oportunidades neste século, em 2001 e 2006, quando iniciou um inédito trirrebaixamento – indo parar na Série D, criada em 2009. Depois de amargar as três últimas temporadas na quarta divisão, no ano que vem o Santinha estará de volta à Série C. Mas, mesmo sem saber o que é subir um degrau nas divisões de acesso do futebol durante tanto tempo, foi em 2010 e 2011 o campeão brasileiro de público, com médias de 40 mil torcedores por partida.

Assim, o Tricolor do Recife, se não tem a maior torcida do Brasil, ninguém pode negar: tem a mais apaixonada. E se mostrou fiel mesmo vivendo um verdadeiro inferno. Compareceu, empurrou o time, enfrentou a gozação dos rivais Sport e Náutico e começou a dar a volta por cima. Já no primeiro semestre, venceu o estadual em cima do Sport. Agora vitorioso da Série D, matematicamente o clube começará 2012 podendo sonhar com o retorno à elite em 2014, ano de seu centenário.

A cada queda, o Santa Cruz colocou mais torcedores nas arquibancadas. Em 2006, quando a equipe estava na primeira divisão, a média de público era de 10.578 pessoas por partida. Este ano, registrou 40.514. No jogo em que asseguraria o acesso, por exemplo, 60 mil tricolores foram ao Estádio Arruda ver Santa Cruz x Treze da Paraíba, em 16 de outubro.

“Foi um dos dias mais felizes da minha vida”, decreta o vigilante João Inácio da Silva, de 52 anos. E já sonha alto: “Mas o Santinha ainda não está no lugar dele, que é a primeira divisão. Meu time é grande, o mais querido de Pernambuco e um dos maiores do Brasil. O acesso aliviou um pouco a nossa tortura, mas ainda temos de voltar à Série A”.

João conta que nunca mais quer passar pela tristeza que viveu nos últimos anos. Três quedas consecutivas é algo para lá de dramático. “É como perder um ente querido.” Mas o primeiro passo foi dado. “Agora é trabalhar com seriedade, dentro e fora de campo, para voltarmos à elite do futebol brasileiro”, discursa João, desde sempre vigilante.

A jornalista Fabiana Coelho, quando pequena, era levada ao Arruda pelo pai, um tricolor aficionado que sonhava em ter um filho. Como a vida lhe deu três meninas, levava-as para assistir a todos os jogos mesmo assim. Hoje, aos 37 anos, Fabiana leva ao estádio o marido e os filhos, Anaís, de 9 anos, e João Pedro, 5. “Fui a vida inteira ao campo. Quando o João Pedro nasceu, os enfeites na maternidade eram todos do Santa Cruz: ‘Nasceu um tricolor’. A primeira foto é com a roupa do time. As crianças vão com a gente ao campo desde pequenas”, conta Fabiana, para quem a torcida do Santa Cruz é uma extensão da família.

Fanático pelo Tricolor, o técnico em informática Antônio Carlos Freire, o Cajá, só começou a frequentar o estádio depois que se apaixonou por Fabiana, e não parou mais. “É ela quem me leva. Afinal, é ela quem dirige lá em casa”, diz, sem cerimônias. “Sempre vou ao Arruda e viajo muito para acompanhar o Santa Cruz fora de casa. Assim, também reforçamos os números de outros clubes quando jogamos no campo adversário. Na partida contra o Alecrim pela Série D deste ano, por exemplo, colocamos 16 mil torcedores no estádio deles, em Natal (RN). A renda deu para quitar duas folhas de pagamentos da equipe adversária”, ressalta, com orgulho.
Orgulho, aliás, é o que não falta aos torcedores do Santa Cruz. Afinal de contas, ser campeão de público entre os 100 times que disputam as quatro divisões do Campeonato Brasileiro não é para qualquer clube. “A torcida fez com que o time sobrevivesse. Tenho certeza que nem o Sport nem o Náutico resistiriam se vivessem o que o Santa enfrentou”, afirma Cajá. E, se ele considera “inexplicável” o sentimento que move tanta gente, Fabiana arrisca uma explicação: “Quando a equipe começou a cair, o torcedor passou a ir mais ao estádio e despertou a atenção da imprensa. A cada notícia que era publicada, a torcida queria encher mais e mais o estádio. Além disso, a internet e as redes sociais ajudaram na convocação: sempre tem alguém lançando um desafio para colocarmos mais gente no estádio, e a torcida corresponde”.

O mais querido

Os shows da torcida do Santinha fizeram até os rivais se renderem, segundo pesquisa publicada em 2 de novembro por uma faculdade do Recife (Fafire). Para 49,17% dos rubro-negros do Sport, o Tricolor tem a torcida mais querida. Já os alvirrubros do Náutico foram ainda mais firmes: 65,82% admitiram os tricolores como os mais apaixonados do estado. Os torcedores do Santinha já sabiam disso, quando apelidaram o time de “O Mais Querido”. E, sem falsa modéstia, 90,61% deles votaram em si.

Mas o leonino Marcos Paulo Lima, de 25 anos, enumera razões “científicas” para contestar a pesquisa. “A torcida do Sport é maior e mais apaixonada. Mas o Santa Cruz vende ingressos mais baratos e no seu estádio cabe mais gente. Senão, o Sport colocaria mais torcedores no campo. Temos muito mais sócios, que ajudam de verdade no dia a dia do clube. E tem outra coisa: o time está na quarta e última divisão, ou seja, seus jogos não passam em nenhuma TV. Se o torcedor quiser ver, tem de ir ao estádio”, justifica Marcos Paulo, que se autointitula o típico torcedor chato do Sport.

O jovem diz que “arretou” muito a torcida do Santa Cruz nesse período difícil. “Fiquei muito triste com o acesso do time à série C. Para mim, quanto pior, melhor”, tripudia. Chato, Marcos Paulo garante que já perdeu amigos, mas nunca as piadas, nem a compostura. “Já perdi amizades por causa das brincadeiras. Mas nunca fui de violência.”

Mais polido, o bancário Adeílton Rego Filho, 49, também é o típico torcedor do seu time, o Náutico. O clube tem maior rivalidade com o Sport, o que pode ter aliviado a tortura dos tricolores com uma certa solidariedade alvirrubra. “A torcida do Santa já sofreu o que tinha de sofrer. Eu torço pro Náutico, mas torço para Pernambuco, e gostaria que os três times estivessem na primeira divisão”, afirma. Ele reconhece que a torcida do Náutico é menor que as do Sport e Santa Cruz, mas diz que em termos de paixão todas são iguais. “Todo mundo ama seu time com todo o coração. Agora, a tradição dos tricolores de comparecer ao estádio sempre foi maior. O Santa é considerado um time de massa e sua torcida é mais concentrada no Recife, o que ajuda a encher o estádio”, avalia.