A questão da procedência

A construção de uma vida sustentável passa pela formação de uma nova consciência, pela a busca de novos padrões de consumo, de comportamento e de desenvolvimento

Diz uma piada-provérbio antiga, dos tempos em que as redações eram movidas a máquinas mecânicas de escrever, que jornal e salsicha, se você soubesse como são feitos, não consumiria. Piada, porque a expressão surgiu do próprio ambiente dos jornalistas – envoltos em condições anedóticas de trabalho e de salário e tendo de, no fim da noite, mandar material para a gráfica de qualquer jeito, sob uma pressão industrial que não ficava a dever à cena clássica de Tempos Modernos, com Carlitos mastigado pelas engrenagens. E provérbio, porque é adaptável a um sem-número de situações cotidianas. 

Alguns temas desta edição, por exemplo, remetem ao provérbio – mas passam longe da piada. A reportagem de capa esmiúça como é a vida das famílias de plantadores das folhas de fumo. E sugere aos consumidores (e por que não aos ministérios da Saúde, da Agricultura, do Trabalho, dos Direitos Humanos, da Justiça…) que além de o tabaco causar câncer de pulmão, de boca, de garganta, impotência, fazer mal à gestante e ao embrião e não dever ser aceso diante de crianças nem vendido a menores, a vida daqueles agricultores também não vale muito para essa bilionária indústria.

Mais adiante, outra reportagem mostra que os perigos da floresta amazônica não são seus componentes naturais, mas os seus agressores, que ameaçam e matam quem os denuncia. Assim, quando um cidadão ou uma indústria desdenha a procedência da madeira que consome – se é cultivada de maneira sustentável, o que acontece com somente 10% da produção –, ela pode ter rastros não apenas da degradação, mas do sangue de um trabalhador.

Mais que uma mobilização emergencial de poderes públicos – e isso até tem avançado –, problemas como esses exigem atenção da sociedade. Passam pela formação das novas gerações, criação de uma nova consciência, conjugação de esforços dos setores mais organizados, busca individual e coletiva de padrões de consumo, de comportamento e de desenvolvimento que privilegiem a vida sustentável. Encontramos nesses desafios nosso combustível. Pena que o “mercado” da comunicação ainda tenha muita indústria a tratar seu produto como salsicha.