Um blog na mão

E muita informação na cabeça para furar o cerco dos velhos veículos de comunicação

O blogueiro Ênio Barroso foi homenageado pelos colegas (foto: Augusto Coelho)

O que tinham em comum as cerca de 500 pessoas que marcaram presença no 2º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, no mês passado, em Brasília? Elas pretendiam, sem nenhum prejuízo de suas diferentes linhas de pensamento, estreitar a unidade, constituir uma rede de apoiadores e fortalecer esse coletivo que adotou com muita ironia e sem constrangimento a alcunha “blogueiros sujos” – empregada pela primeira vez no ano passado pelo candidato derrotado à Presidência José Serra, para definir aqueles que escreviam o que ele não gostava. Ou, como classificou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, presente ao encontro dos “brogueros”, aqueles que “possibilitam que a sociedade não fique refém” dos tais “formadores de opinião”.

Com transmissão da TVT e da Rede Brasil Atual, o evento atraiu 37 mil acessos pela internet, superou expectativas, debateu os mais variados temas e juntou gente de todas as regiões do país. “Valorizou muito o encontro o fato de expressar a realidade de uma blogosfera que se legitimou na sociedade. 

> Confira a cobertura da Rede Brasil Atual sobre o 2º encontro de blogueiros progressistas

Isso começou nos encontros estaduais e agora se concretizou”, define Altamiro Borges, do Blog do Miro e presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, um dos organizadores do evento. Encontros regionais e estaduais anteriores ao de Brasília somaram 14 etapas, com mais de 1.800 participantes.

O debate esquentou com a presença do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo (foto abaixo). A formulação de uma lei que regule a conduta dos meios de comunicação, como já existe nas grandes democracias do mundo, e a agilização do Plano Nacional de Banda Larga, como forma de democratizar o acesso à internet, suscitaram discussões acaloradas.

Ministro Paulo Bernardo (foto: Augusto Coleho)Paulo Bernardo foi cobrado porque, em seis meses de governo, o projeto de lei de um novo marco regulatório para o setor de telecomunicação e radiodifusão, rascunhado pelo ex-ministro Franklin Martins (da Secretaria de Comunicação da Presidência), não saiu da gaveta. E também pela por deixar por conta das operadoras privadas, e não mais da recém-recriada Telebrás, a expansão da banda larga para o alcance dos usuários de baixa renda.

“Não temos como opção colocar a internet em regime público. É muito menos conflitivo, e complicado, outorgar isso às empresas, e não temos todo esse orçamento para dizer: ‘Vamos fazer tudo’”, tentou explicar o ministro. Um dos críticos mais contundentes foi o blogueiro Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania. Apesar da troca de farpas, ambos consideraran a discussão construtiva. “Como há tempos não se via com um ministro das Comunicações”, admitiu Guimarães.

A equipe de web da campanha de Ollanta Humala, presidente eleito do Peru, relatou experiências. Elvis Mori, coordenador, comparou o baixo nível da campanha peruana às grosserias introduzidas no embate entre Serra e Dilma no ano passado. 

E ressaltou que as redes sociais, lá como aqui, foram uma importante ferramenta na vitória da candidatura de centro-esquerda, pois chegavam onde todos os eleitores estavam e garantiam nos debates um conteúdo que escapava à mídia comercial convencional. “As redes sociais foram o grande diferencial da campanha. Por meio delas conseguimos atingir setores que estavam mais contidos. Ninguém chegava até eles, mas mesmo assim esperavam algo diferente”, relata Mori. 

O presidente eleito do Peru, em mensagem via Twitter, saudou os blogueiros. Pronto. Com tanta gente importante, entre ministros, ex-presidentes e presidentes eleitos, algo faltava para que o sucesso do evento se tornasse completo. Porém, não veio. Os blogueiros lamentaram que a presidenta Dilma Rousseff não tenha se manifestado sobre o encontro – tão ali pertinho.

Outro tema que teve grande repercussão e pautou outra mesa de debates foi a perseguição e censura à blogosfera. Lino Bochini, criador do Falha de S. Paulo e, junto com seu irmão, vítima de ação judicial do jornal que o nome do blog faz lembrar, descreveu como se sente perseguido. E destacou o papel da blogosfera de possibilitar que os cidadãos se aproximem dos fatos sem o filtro da imprensa parcial. “Se você suspeita de alguma coisa que a mídia tradicional esteja falando, vai direto ao agente envolvido”, destaca o autor do blog censurado pela Justiça a pedido da Folha.

Entre as histórias inusitadas, estava a de Pedro Ferraz, militante da informação livre e gratuita. Pedro conta que seu blog costumava contrariar a mídia local de Marília, interior de São Paulo. Como já havia trabalhado em um dos jornais e conhecia seus bastidores, sabia como desconstruir uma informação manipulada e distorcida. “O tipo de verdade que eu divulgava começou a incomodar. Primeiro, o dono do jornal e, depois, alguns políticos.” Pedro começou a receber “recados”, como explosões no portão de casa. 

Blogueiros Rovai e Viana (Foto: Augusto Coelho)“Um dia, eu voltava de uma festa e fui parado por estranhos. Diziam saber quem eu era, quebraram meu nariz, me pegaram na pancada”, relembra. Com a vida em risco, decidiu dar um tempo no blog e “fugiu” da cidade. “Sou o único exilado político”, brinca.

Patrocínios, sim, senhor

Rovai: investimento legítimo
Viana: relator da Carta

Para Renato Rovai, blogueiro e presidente da Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação (Altercom), o que possibilitou a realização do 2º Encontro Nacional de Blogueiros foi o apoio de patrocinadores e colaboradores.

O evento captou recursos de empresas, como Petrobras, Fundação Banco do Brasil, Itaipu Binacional e do governo do Distrito Federal, que viram nele uma forma de valorizar sua imagem. 

Rovai ressalta que o investimento em ações de mídia como a dos blogueiros é tão legítimo quanto aqueles feitos nas empresas tradicionais. Que, aliás, costumam empunhar a bandeira da liberdade de expressão, mas se incomodam quando os recursos são para comunicadores opostos ao monopólio da informação.

Um jornal de São Paulo, por exemplo, publicou nota crítica à participação de estatais, entre as quais a Petrobras. Esta respondeu rapidamente em seu blog: “O evento promoverá aumento da percepção positiva da imagem empresarial, visibilidade da marca, o estímulo ao relacionamento positivo com a sociedade e o rejuvenescimento da marca”. 

Encontro de Blogueiros Progressistas (foto: Augusto Coelho)

Do encontro resultou uma carta com as expectativas de políticas públicas e ações da blogosfera para os próximos meses. O repórter da TV Record Rodrigo Viana, do blog O Escrevinhador, foi o “relator” da carta, que apontou objetivos amplos, como a democratização da comunicação e a contrariedade a qualquer tipo de restrição ou censura na internet, e minuciosos, como a urgência de tornar público o documento do Marco Regulatório da Comunicação no Brasil e da execução de um Plano Nacional de Banda Larga que garanta internet de alta velocidade a todos os brasileiros.