Histórias sem fim

Ao completar cinco anos, revista consolida política editorial com foco em personagens e atitudes que ilustram uma nova mídia e retratam uma realidade em movimento

“O segredo de Lula”, como chamava a capa do primeiro número da Revista do Brasil, há cinco anos, não era de fato um segredo. Aquela edição apenas demonstrou, com abordagem jornalística factual, que algo diferente ocorria no país naquele momento e não passava pelas manchetes da velha mídia, mas mexia com a vida de milhões de brasileiros.  

Havia uma movimentação na imprensa comercial a oscilar entre a hostilidade e o golpismo, que era quase unânime, mas incompatível com o elevado grau de aprovação do governo do operário. O resultado daquela eleição, como todo o desenrolar do segundo mandato conquistado, deu pistas de que o jornalismo dif­erenciado estava no caminho certo. Como estavam certas as políticas sociais, que tiraram da pobreza um contingente considerável de brasileiros, e a política externa, que colocou o Brasil numa posição de mais respeito no mundo. 

Os acertos de Lula foram atestados por estatísticas, pesquisas de opinião e pelos resultados eleitorais, em sua reeleição e na vitória de sua candidata em 2010. E impuseram à velha mídia a tarefa de ser dura com o governo sem “bater” no presidente. Na mídia, Lula tornou-se imbatível. E garantia de audiência, como o demonstram até os programas que não abrem mão de tirar uma casquinha de sua popularidade. 

No mês passado, em evento do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em que Lula receberia o prêmio João Ferrador, Sabrina Sato, do Pânico, e Mônica Iozzi­, do CQC, estavam lá com suas equipes. Sabrina queria provocá-lo quanto à exposição na mídia da presidenta Dilma. E Mônica foi cobrar de Lula uma participação no programa de Marcelo Tas. Longe do palco, usou o megafone para chamar a atenção do homenageado, que dialogou com a repórter pelo microfone.

“Querendo ou não a gente faz TV para as pessoas. A audiência conta, sim. E tudo o que o Lula fala é notícia”

Mônica Iozzi (Paulo de Souza/ABCDigipress)À reportagem, Mônica admitiu que o presidente atrai muita mídia porque atrai povo: “Querendo ou não, a gente faz TV para as pessoas, a audiência conta, sim. Seria bom se não contasse tanto, mas conta. E tudo o que o Lula fala vira notícia, vende jornal, e ele tem graça. Pra gente, que mistura jornalismo e humor, ele sempre rende”. Sabrina Sato concordou: “O ex-presidente tem uma resposta boa pra tudo, veja o tanto de palestra que está dando. Ele tem uma história de vida e é um comunicador muito bom”, definiu a musa do Pânico, com seu carregado sotaque interiorano.

Espírito crítico

As edições que se sucederam consolidaram a opção da RdB por um jornalismo dedicado a encontrar – entre personalidades influentes na cena política, econômica, cultural e social ou escondidas no anonimato do cotidiano – pessoas e atitudes que podem fazer diferença no permanente desafio de melhorar a realidade. Também não se abriu mão da crítica, da contundência em apontar demandas não atendidas por todas as esferas do poder público – em questões agrárias e urbanas, em omissões dos três Poderes ante a necessidade de aperfeiçoar o funcionamento e a estrutura do Estado –, dando voz a pessoas que são referência em sua área de atuação.

O escritor Ferréz, por exemplo, quatro anos depois de sua entrevista na edição de novembro de 2007, mantém um distanciamento crítico em relação aos avanços do país. “Nesse terceiro governo de esquerda, ficou mais evidente que as pessoas estão tendo mais condições de comprar um carro, parcelar um apartamento. Só que tenho visto muito que elas têm gastado mais, mas não têm adquirido cultura. O cara deixa o carro mais potente, troca a roda, mas não põe o filho numa escola melhor, não compra um livro. Como uma pessoa que mexe com educação, fico muito chateado, frustrado mesmo. Chegou a parte financeira, mas não chega orientação de como você pode melhorar um pouco sua vida tendo um estudo melhor, de como curtir um teatro em vez de comprar televisão de 50 polegadas.”

Referência quando o assunto é periferia, Ferréz apresentou durante dois anos o programa Interferência, na TV Cultura. E continua ativo. Mantém uma loja de sua marca 1daSul no Capão Redondo e outra no centro de São Paulo, uma gravadora e um instituto que trabalha com projetos sociais. Estimula a cultura hip-hop, criação de bibliotecas alternativas, edita e publica autores “periféricos” e lançou o documentário Literatura e Resistência, sobre sua trajetória de ativista. Só não é mais rapper. Atua na ONG Casa de Zezinho e, em 2009, fundou a Interferência, entidade que faz atividades culturais com crianças do Jardim Comercial, bairro que pertence ao Capão Redondo.

“É um trabalho social que estamos tocando, mas com muita dificuldade porque não é um trabalho cultural que dá visibilidade. Resolvi encabeçar essas coisas. Acho que isso é revolucionar de verdade. Estou lidando com vidas, as crianças estão lá aprendendo, estudando. Dá mais resultado que subir no palco e ficar cantando. Larguei o hip-hop e várias coisas que eu estava fazendo pra fazer isso. Vi mais resultado.”

Ainda os escombros

Uma das importantes pendências do poder público com as populações é a falta de soluções para áreas de risco mais vulneráveis a tragédias, sejam elas naturais, sejam resultado da negligência humana na ocupação imobiliária. Dramas como os vividos em Santa Catarina, no Piauí, em São Paulo ou no Rio de Janeiro foram pauta frequente na revista impressa, nas reportagens de rádio, dos jornais e no jornalismo em tempo real da Rede Brasil Atual na internet – veículos reunidos na Editora Atitude, empreendimento privado criado pelas entidades sindicais para absorver essas iniciativas de comunicação.

Questões ambientais, sociais e urbanas associadas ao Rio de Janeiro, aliás, ocuparam diversas capas da RdB nesses cinco anos. A mais recente foi em fevereiro. O personagem daquela capa, o metalúrgico desempregado José Lino da Silva, fora fotografado pela reportagem procurando pertences entre os escombros de sua casa, no bairro Três Irmãos, em Nova Friburgo – depois das destruições causadas pelas fortes chuvas de janeiro na região serrana do estado. José Lino até hoje não pôde voltar para sua casa. Ainda desempregado, paga R$ 280 pelo aluguel de dois cômodos no bairro de Santo André, a 15 quilômetros da antiga casa, onde mora com Gilda, sua namorada.

O programa Aluguel Social, convênio do governo estadual do Rio de Janeiro com as prefeituras, beneficiou 7.000 famílias desabrigadas ou desalojadas, segundo a Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos. Além dos bicos que faz para ganhar algum dinheiro, José Lino sabe que pode contar até o início de 2012 com os R$ 500 que o casal receberá do programa. “Depois, não sei. Deus tem que ajudar os servos dele, né? Minha casa tinha 26 anos, eu mesmo construí. Eu me sinto sem lugar, sem rumo”, lamenta. Quando vai até sua antiga vizinhança, constata que pouco foi feito. A assessoria de imprensa da prefeitura justifica: “As chuvas pararam há pouco tempo. Toda vez que chove desce lama das encostas. Nesse bairro precisa ser feita uma obra de contenção orçada em mais de R$ 40 milhões”.

Em Teresópolis, a prefeitura desobstruiu acessos e normalizou o transporte coletivo. “Mas ainda há lugares onde parece que o temporal foi ontem, com lixo, lama, escombros. E algumas empresas que a prefeitura contratou para fazer a limpeza não têm estrutura para realizar o serviço”, reclama o vereador Claudio Mello. O vereador friburguense Cláudio Damião aponta situação semelhante: “Uma das empresas contratadas para a remoção de lama e entulho das ruas do 6° Distrito tem como atividade principal ‘comércio de varejos de peças e acessórios novos para veículos automotores’”, denuncia.

Em Petrópolis, onde a destruição foi menor e mais restrita, a reação foi mais rápida e a vida já começa a voltar ao normal. Pelo menos de acordo com dados de abril do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego, Petrópolis já aponta saldo positivo de 1.147 novas vagas no ano. Em Teresópolis, o saldo ainda era negativo (378 empregos a menos no ano). Nova Friburgo, a mais duramente atingida pela tragédia, mostra recuperação, mas ainda insuficiente para repor as 736 vagas fechadas desde o início do ano, metade delas em decorrência das chuvas.

A economia dos três maiores municípios se recupera aos poucos. Nos menores, mais frágeis, a situação é mais grave. As doações, ainda necessárias, não chegam mais. Com a aproximação do inverno, o frio já incomoda quem vive em alojamentos improvisados. Mas as soluções esbarram na burocracia e em batalhas políticas que atrasam o amparo a quem necessita. O tempo passa, o frio está chegando, a solução tarda. Haja cobertor.

Espírito esportivo

O esporte, tema recorrente na pauta da revista, cravou uma capa visionária com o técnico Mano Menezes, em dezembro de 2008. Mano se consolidava como um dos grandes treinadores do país depois de vencer o Campeonato Brasileiro da Série B com o Corinthians. O título “Mano quer mais”, admita-se, ainda se referia às expectativas do técnico com seu time. O Corinthians de 2009 acabara de contratar o fenômeno Ronaldo e estava melhor que seu Grêmio de 2005, que subiu, conquistou o estadual e uma vaga na Libertadores. De fato, o alvinegro foi também campeão estadual e conquistou a Copa do Brasil daquele ano, alcançando uma vaga na Libertadores do ano seguinte, o do centenário do clube. 

Depois de uma primeira fase impecável no torneio continental, o time seria eliminado pelo Flamengo nas oitavas de final. A tragédia corintiana não comprometeu a credibilidade de Mano Menezes, que ainda tinha o direito de “querer mais”. E desde julho de 2010 é o técnico encarregado de preparar a seleção brasileira que vai disputar a Copa do Mundo, em 2014. Até o momento, antes do amistoso contra a Romênia em 4 de junho, o comandante contabiliza quatro vitórias e duas derrotas.

Dada a complexidade do desafio, uma possível manchete para o dia em que o treinador se despedir deve ser: “Mano quer descansar”, de preferência, depois de uma missão bem cumprida. A exemplo de Lula, quando estampou a capa de junho de 2008: “Em 2011 vou descansar”, dizia ele, refutando mexer nas regras do jogo para disputar um terceiro mandato. A propósito, não é improvável que Mano e Lula inspirem capas invertidas num futuro próximo. E que em 2014 a manchete constate: “Lula quer mais”. 

Este texto e os das páginas seguintes a respeito dos cinco anos da Revista do Brasil tiveram a colaboração de Alberto César Araújo, Benonias Cardoso, Cida de Oliveira, Maurício Hashizume, Miriam Sanger, Paulo de Tarso, Paulo Donizetti de Souza, Regina de Grammont, Renata Silver, Rodrigo Queiroz, Vitor Nuzzi e Xandra Stefanel