Mais mercado interno, e para mais gente

O Brasil ainda tem contrastes e injustiças para corrigir, mas nos últimos anos as políticas de transferência de renda ajudaram a reduzir a desigualdade

O Brasil é um país injusto. Como dizia o economista Celso Furtado (1920-2004), a parcela da população que “não participa dos benefícios do desenvolvimento” é tão grande que esse problema só pode ser visto como prioritário para os governantes. Mas nem sempre foi. O professor Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), sustenta que de 2003 a 2008 mais de 18 milhões de pessoas deixaram a situação de pobreza, em uma média superior a 10% por ano. Em entrevista ao jornal O Globo, Neri afirmou que agora o “bolo cresceu para todos, mas teve mais fermento para os mais pobres”.

Fonte: IBGE e LCAO Brasil apostou no crescimento do consumo e no fortalecimento do mercado interno, com maior volume disponível de crédito. Se algumas teses do passado previam que esse raciocínio provocava inflação, elas acabaram superadas. Entre abril de 2009 e março deste ano, por exemplo, foi o consumo das famílias, ao crescer 6%, o grande puxador da alta do PIB (2,4%) – resultado do aumento da massa salarial e do acesso ao crédito. Só de janeiro a março de 2010 o consumo das famílias respondeu por 64% do PIB.

“Veja como a coisa é perversa: ao concentrar a renda, você cria uma minoria de alto nível de vida, com acesso a um mercado privilegiado. Esse mercado privilegiado é de objetos de luxo, mas é pequeno, e não leva muito longe. Portanto, o mercado interno tem de se transformar em mercado de massa. E para haver um mercado de massa, é preciso que a renda seja redistribuída”, ensinava Celso Furtado.

“Qualquer política econômica, para ser eficaz, tem de levar em conta o consumo de massa, essencialmente, popular. Pode parecer demagogia, mas a verdade é essa: o Brasil tem todos os meios para sair rapidamente da situação em que está e avançar por muitos anos”, disse Furtado em 2003, em entrevista ao IBGE.

Diversas ações da macroeconomia do país nos últimos anos têm sido associadas a essa receita, com crescimento do emprego formal, aumento real do salário mínimo (atingindo diretamente 26 milhões de pessoas e, indiretamente, os aposentados, 18 milhões) e o programa Bolsa Família, que beneficia hoje 12,4 milhões de famílias, melhorando as condições de vida de mais de 40 milhões de pessoas.

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2003 a 2008 a queda anual na taxa de pobreza extrema (pessoas vivendo com renda mensal de até um quarto de salário mínimo) foi de 2,1%, enquanto a pobreza absoluta (renda até meio salário mínimo) caiu 3,1% por ano, em média. Projetando esse ritmo para 2016, o Ipea acredita que o país alcançaria indicadores sociais próximos aos dos países desenvolvidos. O índice de Gini, por exemplo, atingiria 0,488, ante 0,544 em 2008 (quanto mais próximo de 1 fica o índice, maior é a desigualdade). Nos Estados Unidos, esse índice está atualmente em torno de 0,46. Para o presidente do Ipea, Marcio Pochmann, a taxa de pobreza absoluta pode chegar a 4% em 2016, ante 28,8% em 2008, enquanto a pobreza extrema pode ser erradicada.

 

Fonte: IBGE

Ao analisar em 2009 os 15 anos do Plano Real e mais especificamente os programas de transferência de renda do atual governo, a cientista política Roseli Coelho, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, observou que vincular inclusão social apenas ao mercado de trabalho representaria uma “visão curta”. Segundo ela, a maneira de se combater a exclusão é justamente por meio de políticas sociais que levem em consideração “não só ganhos do trabalho, mas também a transferência de renda”.

Para Roseli, quando se fala em classe trabalhadora, é preciso considerar não só os que estão empregados, mas aposentados, doentes, incapacitados por algum motivo e até crianças, que serão os trabalhadores daqui a alguns anos. “Isso é uma características das sociedades menos desiguais. É uma política de inclusão, independentemente de a pessoa ou a família ter vínculos com o mercado de trabalho naquele momento.”

“O efeito multiplicador dos recursos é muito grande quando orientado para a base da sociedade”, acrescenta o professor da PUC-SP Ladislau Dowbor, consultor de diversos órgãos das Nações Unidas, referindo-se aos investimentos sociais. “O fato é que a desigualdade está se reduzindo no Brasil, de maneira lenta, pois o atraso herdado é imenso, mas muito regular nos últimos anos.